O regresso do bom senso à CP

A nova tutela e a nova administração da CP merecem o crédito por terem diagnosticado e assumido problemas que pouco antes não apenas eram negados como geravam ciclos de propaganda lunática.

A CP iniciou, por fim, um caminho tangível e perceptível para a recuperação de atributos básicos do que tem de ser um serviço público – ser previsível, ter um mínimo de qualidade e de consistência. Será no entanto necessário referir que o plano em curso em nada contribui para a melhoria da competitividade deste modo de transporte, onde acção política de larga escala é necessária.

A história conta-se de forma relativamente simples e os últimos anos facilitaram a compreensão do fenómeno – as lógicas de curto prazo e o subfinanciamento de um sector de capital intensivo atiraram os caminhos de ferro, e em particular a CP, para o fundo de um poço. A nova tutela e a nova administração da CP merecem o crédito por terem diagnosticado e assumido problemas que pouco antes não apenas eram negados como geravam ciclos de propaganda lunática que insultava clientes e trabalhadores da empresa. E com esse espírito, e imprescindível financiamento acrescido, a empresa viu na reabertura de Guifões o primeiro acto simbólico de uma recuperação de activos já bem avançada e que é imprescindível, independentemente dos necessários esforços de modernização que devem iniciar-se sem mais demoras.

É verdade que o material circulante em recuperação não é de primeira linha nem pode obviar a necessidade de rapidamente garantir os meios necessários para a expansão de aquisições de novos comboios. Passámos anos a constatar que a recuperação de uma empresa em decadência apresentaria custos crescentes se e quando o momento de reversão chegasse, pelo que este esforço de investimento nas presentes soluções temporárias é a saliência desse custo, que era um passivo não contabilizado financeiramente mas com altos impactos no dia-a-dia.

Com uma frota com elevadíssimos níveis de imobilização, para manter a actual oferta é necessário expandir meios de manutenção (para diminuir esses níveis) mas também de contar com mais comboios. Por isso, será chave o equipamento da região Norte com as carruagens e locomotivas em restauro no Grupo Oficinal do Porto, de modo a poder por fim solucionar problemas sérios nas linhas do Oeste e Algarve, que apesar de longe da catástrofe observada em 2018 continuam debaixo de grande pressão.

A revalorização de activos é o que permitirá à empresa aproveitar, desde logo, a electrificação da linha do Minho, para a qual não dispunha de comboios eléctricos – estivemos por isso a um pequeno passo de inaugurar com muito atraso essa obra, e ainda assim manter os comboios a gasóleo. Mas é também o que permitirá fazer as necessárias revisões da espinha dorsal dos serviços regionais portugueses – as unidades eléctircas 2240 – cuja intervenção foi sendo adiada desde 2018 por falta de meios. No fundo, só desta forma se impede a repetição de uma catástrofe operacional como a desse ano.

Se a razoabilidade e mais elementar bom senso merecem elevada distinção, de tão raros que se tornaram, não posso deixar de terminar com a preocupação de ver algumas hostes partidárias tão animadas a propagandear o que é, tão somente, a (difícil) correcção de erros demasiado graves.

Não se pode pensar que este é o fim do caminho, tem antes de ser o início – a CP está, com a recuperação de alguma prata da casa, a dar algum tempo aos políticos para concretizarem o que são as ambições que há anos enchem páginas de jornais. Assim não sendo, continuaremos a ser um país de comboios antiquados ou, pior ainda, de comboios suprimidos.

Sob pena dos discursos ambientalistas actuais não passarem de “green washing” de actores políticos, é fundamental dar corpo e escala ao investimento que o sector necessita. O volume de investimento necessário para de facto colocar os comboios portugueses num patamar aceitável a nível europeu obrigará o país a fazer escolhas difíceis, dado que os recursos são por definição limitados, e essa é a prova de fogo da actual legislatura. Será isso a gerar a eventual pertinência de fábricas de comboios (ou outros componentes) em Portugal, sendo extemporâneo ambicionar a esse objectivo sem garantir a devida envolvente.

Por agora, fica o merecido destaque a uma empresa que quer levantar a cabeça. Parabéns por isso a quem teve a coragem de ser racional.

Nota: Por opção própria, o autor não escreve segundo o novo acordo ortográfico.

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