O salário mínimo e a competitividade do país
É fundamental que a questão da competitividade “salte” para a opinião pública e que não continue a ser apenas um tema para iniciados.
O anúncio pelo Governo de aumentar o salário mínimo nacional (SMN) para 750 euros em 2023 e a decisão já tomada que coloca o SMN em 635 euros em 2020, suscitou a reacção de partidos e parceiros sociais, patronais e sindicais.
Trata-se de uma matéria importante, pois Portugal tem um SMN dos mais baixos da União Europeia (UE), que abrange uma percentagem significativa de trabalhadores por conta de outrem, em vários sectores de actividade, por exemplo: 32,5% no Alojamento, Restaurantes e similares; 27,7% na Construção Civil; 25,8% nas Indústrias Transformadoras; 21,5% no Comércio por Grosso e a Retalho; 24,6% nas Actividades de Saúde e Apoio Social, verificando-se que em 2018 (dados da PORDATA) 22,1 % do total dos trabalhadores por conta de outrem, auferiam o SMN.
Se conjuntamente com esta situação tivermos presente que 2,3 milhões de trabalhadores por conta de outrem auferem um rendimento médio mensal líquido (RMML) igual ou inferior a 900 euros e que, desses, 1,9 milhões auferem um RMML entre 600 e 900 euros (dados do INE), temos uma ideia do baixo nível dos salários em Portugal e da proximidade entre SMN e RMML de uma larga parte dos trabalhadores.
A remuneração média dos trabalhadores por conta de outrem na UE, em paridades de poder de compra (dados da PORDATA), é de 37.093,2 euros (UE 28 países) e 39.332,7 euros (UE 19 países).
- Portugal (25.515,6 euros) encontra-se atrás de todos os países europeus com excepção da Bulgária (18.064,5 euros); Hungria (22.058,8); Roménia (23,563,3) Letónia (24.910,8) e Polónia (25.290,4).
Face a este brevíssimo diagnóstico é imperioso não nos limitarmos apenas a declarações bem intencionadas de que é necessário aumentar o SMN (o que será quase unânime na opinião pública portuguesa) e procurar discutir e lançar o debate sobre as possíveis causas e soluções desta situação.
Uma primeira abordagem para esta discussão poderá passar pela interrogação se as empresas portuguesas têm capacidade para praticar salários mais elevados e não o fazem, de uma forma geral, dando suporte à posição bem conhecida, em especial da extrema esquerda, de situar esta discussão no âmbito do confronto entre capital (lucros) e trabalho (salários).
Uma breve análise (com base em dados da PORDATA – 2017) quanto ao universo empresarial em Portugal revela uma grande debilidade das empresas quanto à formação de lucros em especial dos sectores que empregam a maior parte dos trabalhadores p/c de outrem.
Os dados relativos ao Rendimento Médio Declarado (lucro ou prejuízo) por empresa para efeitos de tributação em IRC revela que:
- 40% das declarações das empresas têm um valor liquido negativo (prejuízo) no total das declarações entregues.
- Apenas 5 em 17 sectores de actividade têm um Rendimento Médio Declarado (RMD) positivo (lucro) superior à média nacional que foi em 2017 de 59,316,4 euros.
- Os sectores que empregam a grande parte dos trabalhadores p/c de outrem apresentam valores inferiores ou mesmo muito inferiores â média do país: Comércio por Grosso e Retalho (36.112,4 Euros); Agricultura (29.711,2 E); (Alojamento, Restauração e Similares (17.025 E); Construção (7.341,1 E); Educação (2.128,6 E); Actividades de Saúde e Apoio Social (1,387,7 E).
A acrescentar a esta situação, tenha-se presente que o universo empresarial português é composto por 99,4% de Pequenas e Médias Empresas (das quais 96,2% são micro-empresas com 5 ou menos empregados) as quais são responsáveis por 78,1% do emprego total da economia, sendo precisamente estas empresas que têm uma fraca capacidade de gerar rendimentos e que se encontram descapitalizadas.
Numa breve síntese, a análise efectuada demonstra uma situação generalizada de baixos salários, num universo empresarial constituído predominantemente por PME´s que não têm capacidade, em geral, de pagar salários mais elevados, sem impacto no emprego, (recorde-se os dados atrás referidos, quanto às declarações dos lucros ou prejuízos das empresas – embora se possa admitir algumas distorções por se tratar de declarações para efeitos de IRC), o que aponta para a falta de competitividade num contexto acrescido de globalização e concorrência.
É evidente que existem sectores que geram resultados elevados, muito acima da média nacional, e que induzem salários baixos, como é o caso dos salários dos “calls centers” por ex. de telecomunicações e energia, em resultado de politicas de “outsourcing”, mas este facto não afasta a conclusão, em meu entender, que a razão última para os baixos salários se encontra na falta de competitividade das empresas e do país.
Esta questão central da competitividade das empresas pode ser explicada pela baixa produtividade do trabalho e pela baixa qualificação dos recursos humanos em Portugal. Segundo os dados da PORDATA, em 2018, a produtividade do trabalho por hora trabalhada, em paridades de poder de compra, era em Portugal de 26,1 quando a média na UE era de 40,7, encontrando-se apenas atrás do nosso país a Bulgária, a Letónia e a Roménia e no que respeita à população com o ensino secundário e pós-secundário, a média na UE (28 países) era de 45,8% estando Portugal na última posição (24,8%) com excepção da Espanha (22,9%).
A nível empresarial, estes dois aspectos interrelacionam-se pois a baixa qualificação dos recursos humanos não apenas tem impacto no desempenho individual dos trabalhadores como está na base também da fraca capacidade de gestão, em especial das PME’s, o que por sua vez impacta a organização do trabalho e as decisões de gestão, influenciando negativamente a produtividade do trabalho.
Mas o conceito de competitividade é mais amplo do que o de produtividade, e comporta um conjunto numeroso de variáveis que vão para além da realidade empresarial (e que a condiciona).
O WEF – World Economic Forum no seu “Global Competitiveness Report “, que efectua todos os anos, o “ranking” de cerca de 150 países, utiliza mais de 100 variáveis, que caracterizam a competitividade de um país. De entre elas, por exemplo o funcionamento das instituições, incluindo o Governo e o sistema politico, a eficiência do sector financeiro, as infra estruturas físicas (portos, autoestradas etc), o nível tecnológico e de inovação, a eficiência e rapidez do sistema judicial, o sistema educativo e de saúde etc.
Todas estas variáveis concorrem para a competitividade de um país que é o factor determinante do nível de prosperidade que pode ser atingido e é o elemento decisivo para o crescimento económico e para assegurar, de forma sustentável, altos níveis de rendimento da população.
Sendo este o elemento decisivo, e onde os decisores políticos têm também uma clara responsabilidade, é fundamental que a questão da competitividade “salte” para a opinião pública e que não continue a ser apenas um tema para iniciados, com discussão em circuito politico fechado. Esta questão deveria ser colocada, de forma generalizada, na opinião pública, pois em última análise é a falta de competitividade que está na base dos salários baixos no país.
Nota: Por opção própria, o autor não escreve segundo o novo acordo ortográfico
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
O salário mínimo e a competitividade do país
{{ noCommentsLabel }}