OE 2020, um vislumbre do futuro?

Neste OE não existe nenhuma medida emblemática, nem o Governo assume uma qualquer apetência claramente intervencionista em qualquer setor de atividade.

O Orçamento do Estado para 2020 pode ser considerado como o primeiro de uma nova espécie. É dogmaticamente neutro, ao contrário dos anteriores, não se conseguindo vislumbrar uma qualquer tendência que indicie uma orientação clara em sede de orientação política. Não existe nenhuma medida emblemática, nem o governo assume uma qualquer apetência claramente intervencionista em qualquer setor de atividade. Não chocando nenhuma sensibilidade, o orçamento parece, antes, assumir-se como uma panóplia potencial de opções que podem ser desenvolvidas posteriormente, dependendo da “noiva” ou “noivas” que possa vir a seduzir para a concretização da sua aprovação em sede parlamentar.

Tem como ponto forte a previsão de ocorrência de um excedente orçamental. Porém, ao contrário do que se poderia assumir, esta opção não decorre de qualquer pretexto de base ideológica. Pode ser meramente emblemático, mas demonstra uma potencial tendência de evolução futura das contas públicas, o que pode ser bastante relevante em caso de turbulência económica internacional. Sendo o principal papel do Estado no futuro a redução dos riscos, esta opção de superavit constitui-se como um “escudo” contra eventuais riscos externos.

Preocupa-se com as atuais tendências do milénio – alterações climáticas (por exemplo, as diversas alterações do ISV e IUC, o imposto drive-in), redução das assimetrias regionais e das desigualdades (o crédito em IRC pela criação de postos de trabalho no interior), liderar a transição digital (as alterações ao nível da patent box) e enfrentar a evolução demográfica (o crédito em IRS relativamente aos segundos filhos). Porém, e tirando a parte ambiental, esta orientação aparece sempre de uma forma muito leve e, quase, descomprometida.

Numa vertente mais negativa, o imobiliário continua a ser “carregado”. Quando tudo foge ao nível da tributação do capital, a tendência é a sobrecarga do que não pode fugir, do que é imóvel. Ora, a subida do IMT é altamente criticável. O “imposto mais estúpido do Mundo” vai crescendo, ao contrário do que o anterior (atual) Governo havia prometido. Existem outras alterações cirúrgicas que, infelizmente, vão no mesmo sentido.

Mais curiosa é a opção pela tentativa de personalização do IVA no caso da eletricidade. A autorização legislativa colocada na proposta pressupõe a definição de uma tributação por perfil de consumidor. Não negamos o efeito regressivo da tributação da energia. Porém, a utilização de uma diferenciação ao nível da taxa é audaz, já que o único caso que existe é o da diferenciação de taxa entre a componente fixa e a componente variável (França). Ora, a diferenciação de taxas de tributação consoante a intensidade de consumo variável é inovadora e, a ser acolhida pelas autoridades comunitárias, significará um ponto de viragem em toda a política comunitária em sede de IVA.

De salientar, igualmente, a tendência de agravamento sucessivo do imposto de circulação. De facto, e com a eletrificação do parque automóvel, o argumento ambiental pressupõe uma redução significativa da capacidade de tributação dos veículos e igualmente dos combustíveis. Não sendo possível “marcar” os eletrões, e na iminente aplicação de taxas reduzidas no consumo de eletricidade (o que parece um pouco contraditório), a única possibilidade que resta para a manutenção da capacidade de angariação de receita é a tributação pela utilização da infraestrutura rodoviária. Porém, para que que este modelo tributário seja eficiente, é essencial que ocorra um “salto quântico” em que o modelo de “pay as you use” se transforme efetivamente num modelo de portagens virtuais descentralizadas.

Finalmente, as novas figuras tributárias: a nova CESE, imposto drive-in, contribuição sobre os dispositivos médicos, entre outras. Esta tendência de efervescência mantém-se. Tal indica a exaustão dos tributos mainstream e o apelo a formas mais coloridas de tributação. O risco é a coerência e estabilidade do sistema fiscal.

Assim, sendo o primeiro de uma nova espécie, vai ter dificuldade em encontrar uma noiva. Esperemos que, para bem da estabilidade, tenha sucesso.

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