
Onde andam as políticas públicas de energia e clima?
Se nada for feito, continuaremos a subir dos atuais 6,2 GW instalados de solar fotovoltaica, mas a um ritmo muito mais lento, e muito dificilmente chegaremos aos 20 GW previstos no PNEC.
Desde 2018, Portugal apostou fortemente na fonte solar fotovoltaica e, em 2021 e 2022, instalou, em cada desses anos, mais do que toda a potência de solar fotovoltaico existente no país em 2018. Em 2023 e 2024, a aceleração de nova potência solar foi ainda maior, mas, ainda assim, aquém do ritmo médio anual necessário para atingir as metas do Plano Nacional de Energia e Clima (PNEC). Passados os anos de forte crescimento e aceleração, soubemos recentemente que a nova potência instalada desacelerou fortemente, o que acontece pela primeira vez em vários anos e, pior, o que contraria os objetivos em matéria de energia e clima do país. No contexto atual, se nada for feito, continuaremos a subir dos atuais 6,2 GW instalados (0.7 em 2018), mas a um ritmo muito mais lento, e muito dificilmente chegaremos aos 20 GW previstos no PNEC.
Se a euforia em torno do solar parece ter resfriado, a situação na potência eólica instalada é de natureza distinta, mas não menos preocupante: praticamente toda a potência instalada no país é anterior a 2015, havendo apenas 600 MW de nova capacidade nos últimos 10 anos; nos últimos 3 anos, há apenas 70 MW adicionais. Em 2022 foi criada legislação para incentivar o chamado repowering e a hibridização de fontes de geração, mas os projetos eólicos em licenciamento, embora tenham crescido de forma significativa, não só representam menos de um quinto da nova potência prevista até 2030, como têm enfrentados sérios problemas e atrasos no seu licenciamento ambiental, mesmo quando fora de zonas sensíveis ou protegidas.
Na instalação de nova potência eólica, tendo como referência as metas do PNEC, talvez seja necessário rever os incentivos para o repowering e/ou hibridização criados no DL15-2022, robustecendo-os (e eventualmente criando, também, penalizações). A prioridade deve ser repowering e a hibridização (com fonte hídrica ou solar existente), porque as metas de 2030 podem ser atingidas quase exclusivamente por uma aposta nestas duas opções. Não se trata de fechar o sistema a novos projetos eólicos, mas apenas dar prioridade aqueles que otimizam parques eólicos existentes e/ou otimizem pontos de injeção já usados por outras tecnologias, tirando partida dos perfis complementares de geração, minimizando o investimento adicional em redes e, também, o impacto ambiental desta capacidade adicional. Novos projetos eólicos que sejam eles próprios híbridos, com ou sem baterias, e que não impliquem reforços de rede, também devem ser prioritários, pelas mesmas razões.
No solar, a hibridização também deve ser uma prioridade, porque a otimização dos ativos de rede deve ser uma prioridade para todos os agentes do sistema elétrico nacional (SEN). Mas a tecnologia solar fotovoltaica enfrenta desafios distintos ao seu crescimento continuado. O maior problema é a sua relativa e crescente saturação em termos de preço capturado, isto é, o preço que uma tecnologia, dado o seu perfil de geração, consegue obter em mercado. Quando entendida nos moldes tradicionais de remuneração (leia-se o mercado grossista e/ou acordos de venda bilaterais, os chamados PPA), a eletricidade produzida através de solar tem um número crescente de horas com preços nulos, o que põe em causa a continuidade do investimento. Para lidar com este problema de ser vítima do seu próprio sucesso, o mero crescimento da procura por eletricidade, embora necessário, não é suficiente, porque apenas adia o problema, chutando-o mais para a frente.
Para verdadeiramente lidar com a queda do preço capturado de solar do ponto de vista do investimento em nova capacidade, parece haver duas formas de lidar com o problema que não geram qualquer sobrecusto para o sistema, antes pelo contrário. A primeira são as baterias, que “redimem” o preço do solar, através de arbitragem de preços e da prestação de um conjunto de serviços de sistema, que representam uma importante fonte de receita. A segunda são formas locais de valorização de eletricidade, como autoconsumo individual ou coletivo, as comunidades de energia ou as formas de partilha peer-to-peer, que têm todas em comum o facto de dispensar o pagamento do custo de redes na eletricidade consumida. Desta forma, ao valorizar localmente a eletricidade produzida, mesmo quando o preço no mercado spot é zero e a realização de PPAs está em queda porque o valor (convencional) do solar está em queda, a eletricidade solar continua a ter um valor de mercado, que é menor ou igual ao custo evitado nas redes. Seja através de baterias, seja através da valorização local da eletricidade produzida, o valor do solar, independentemente dos preços de mercado, existe e, quando comparado com outras tecnologias, sobretudo se incluir baterias, é imbatível em termos de custo, não havendo razões para que o investimento nesta tecnologia abrande.
Como é evidente, também temos de olhar para a procura. Seja no novo investimento em solar, seja no novo investimento em eólico, o crescimento da procura e a eletrificação dos consumos também tem de acelerar. As metas do PNEC não pressupõem apenas forte investimento em nova geração, também pressupõem forte crescimento no consumo e na eletrificação. Se o hidrogénio vai ter uma expressão muito menor do que se pensava, então que se compense com maior ambição na mobilidade elétrica e na eletrificação da indústria, sem reduzir necessariamente a ambição do PNEC em matéria de nova capacidade renovável. É preciso, portanto, atender, em simultâneo, aos desafios particulares do investimento em nova geração eólica, solar, mas apostar fortemente na eletrificação, adequando as políticas públicas às novas realidades.
Seja o investimento no eólico ou no solar, seja a eletrificação dos consumos, seja o armazenamento (hídrico ou através de baterias) – tudo tem de avançar em conjunto e de forma integrada, porque o sistema elétrico é isso mesmo: um sistema, feito de geração e consumo, com as redes a servir de suporte integrador. Mas para que tudo isso avance e avance rápido, é preciso implementar políticas públicas que ativamente promovam e criem as condições para que as coisas, de facto, avancem e avancem todas. Políticas reafirmadas, políticas revistas, ou novas políticas, mas são necessárias políticas. Algum tipo de políticas, por favor.
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