Polícia, Parlamento e a Aventura do Ventura

Esquerda tem uma incapacidade atmosférica e uma resistência galáctica para gerir democraticamente o monopólio da força que pertence ao Estado.

O Parlamento transformado na Zona Verde de Bagdad. Uma parada de polícias percorre Lisboa sob aplausos e incentivos da população. Nas escadarias do Parlamento o dispositivo policial prepara-se para o assalto final. É um cenário de sublevação em que as forças policiais protegem um órgão de soberania do ataque das forças policiais. Polícias bons e polícias maus é o cenário de um filme. Em silêncio, os deputados continuam os trabalhos parlamentares engalanados pela nova ortodoxia pós-eleitoral. A ficção progressista tomou de assalto o Parlamento enquanto a realidade rasga caminho pelas ruas. O polícia do pensamento esmaga um insecto no écran desta crónica e as palavras disparam em modo de subversão.

A começar por um Governo desaparecido na clandestinidade dos acordos secretos, na contabilidade de um Orçamento para a Humanidade, nas reuniões com os parceiros do Bloco, do PCP, do PAN, soterrado pelo esforço de inventar o futuro para um Portugal de figurantes. O País está parado num “sereníssimo pandemónio” e os governantes falam numa linguagem burocrática, que se expande no vácuo, sobre o SNS, a Função Pública, as Pensões, o Rendimento Garantido. O Governo é uma agência de distribuição de recursos que não são dele, um abismo para a riqueza que não tem e que não produz, como se não existissem limites para o Autoritarismo Social. Portugal está a confundir-se com o Estado, em vez de uma Nação temos direito a uma Repartição.

De volta a São Bento em panorâmica geral retirada por um drone. Um exército de polícias em configuração civil ocupa a base das escadarias da República. Cantam o Hino Nacional de costas viradas para o Parlamento que está de costas voltadas para uma parte da Nação. O Hino é a melodia de duas nações que não se encontram, não se conhecem, não se respeitam. As palavras do Ministro da Administração Interna realçam os sons de um Governo de Esquerda que não sabe como tratar as forças de segurança. Pela boémia dos preconceitos da tribo, a polícia pertence por definição ao aparelho repressivo de um regime, por este motivo o medo inscrito no rosto do Ministro, o silêncio cobarde no interior do Parlamento, o súbito desaparecimento por rapto ou fuga do Primeiro-Ministro. A ideia de que é possível uma polícia civil e democrática não cabe nas concepções progressistas ancoradas num tempo político que parou, são os vícios da nova democracia na velha doença de Portugal.

Quando um agente paga as algemas e a farda, dorme em camaratas insalubres, recebe um vencimento ridículo, tudo parece um esforço concertado para manter as forças policiais num estatuto de obediência servil e de humilhação permanente. É o preço a pagar por serem um símbolo da prepotência autoritária cobrado pela prepotência democrática.

A Esquerda tem uma incapacidade atmosférica e uma resistência galáctica para gerir democraticamente o monopólio da força que pertence ao Estado. Fica então a sugestão da privatização das forças policiais, liberta recursos para as Funções Sociais, tanto mais que as Funções de Soberania são uma extravagância da Direita. Uma outra opção de financiamento poderá ser através do Crowdfunding, um financiamento colaborativo, inclusivo, participativo, três palavras mágicas que fazem vibrar as consciências puritanas de Esquerda.

O que aflige as boas consciências cívicas e progressistas é a presença na manifestação do proclamado “Movimento Zero”, que o cronista designa, por simetria cromática, por White Block. De acordo com a visão conspirativa da Esquerda, o White Block representa uma “infiltração da extrema-direita” nas forças policiais. Activa nas Redes Sociais, no desfile organizam os dedos da mão num gesto que está associado à ideia e à expressão “White Power”. Se tal corresponde à realidade, por que razão não se investiga, identifica e expulsa os alegados membros da rede clandestina? Será que não existe coragem ou determinação democrática para agir contra estas potenciais derivas “neo-fascistas”? Será que o argumento é apenas um expediente político para justificar a inacção pelo medo de represálias? Será que a denúncia tem como propósito político recorrer à acusação de que existe “Racismo Institucional” nas forças policiais? Na iminência de uma “Quinta Coluna”, o que faz o Governo na figura impotente do Ministro da Administração Interna? Veja as imagens no próximo capítulo.

Neste ponto entra então a aventura do deputado Ventura. Com o CDS transformado num selecto tuk tuk, com o PSD exímio no provincianismo das guerras de campanário entre freguesias, a Direita Democrática fundadora do Regime está radicalmente ausente do debate político. O vazio à Direita provoca vertigens que envolvem o Regime no impasse de uma nota só. Como a política tem horror ao vazio, a hora dos Venturas acaba sempre por chegar com um discurso que fala como rasteja, com uma mensagem desinibida e feita de generalizações que são sempre um acto suspeito. A política dos Venturas promete às multidões o acesso à História, mesmo que o preço seja a destruição. As multidões adoram patronos políticos poderosos, como os imperadores do nada, homens sagrados e agressivos que se fazem passar pelo que não são e que prometem o Céu quando é o Inferno que têm para vender.

Nota: O autor escreve ao abrigo do antigo acordo ortográfico.

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