É útil o voto útil à direita? O exemplo do Mercedes

PS e PSD estão a tentar apelar ao voto útil para garantir condições de governabilidade. Os socialistas estão a fazê-lo com mais eficácia.

O voto útil é uma tática política de levar os eleitores a votarem no que não querem, e não no que querem. Por isso é que os anglo-saxónicos apelidam o voto útil de ‘tactical voting’ ou ‘insincere voting’.

Por exemplo, alguém que gosta do Bloco decide votar no PS para evitar que a direita chegue ao poder. Ou alguém que gosta do Chega e decide votar no PSD para evitar a reedição da geringonça.

Quer o PS, quer o PSD estão a recorrer a esta tática de apelar ao voto útil para tentar garantir que no pós 30 de janeiro haverá um cenário de governabilidade, seja à esquerda, seja à direita.

O PS, logo no dia em que o Orçamento foi chumbado, começou a apelar ao voto útil à esquerda. Nesse mesmo dia, a 27 de outubro, no discurso de “derrota”, o primeiro-ministro fez um apelo para que a “frustração dos 2,74 milhões de eleitores” que votaram no PS, Bloco e PCP em 2019 seja convertida “numa maioria reforçada, estável e duradoura na próxima sessão legislativa”.

Ou seja, Costa está a pedir aos eleitores do Bloco e do PCP que transfiram o voto para os socialistas porque os votos do PCP e do Bloco já não somam aos do PS e para evitar que a direita chegue ao poder.

Apesar de fazer um apelo ao voto útil dos bloquistas e comunistas, o atual primeiro-ministro não descura o centro, o espaço político onde se ganham ou se perdem eleições. Não é por acaso que esta segunda-feira, quando apresentou o seu programa eleitoral, prometeu “contas certas” e um rácio de dívida pública abaixo dos 110% do PIB no final da próxima legislatura.

Resumindo, Costa apela ao voto útil aos eleitores da esquerda radical, mas não descura o centro que se assusta com os desvarios financeiros do PCP e do Bloco. O centro, a mesma mancha de eleitorado que é disputada por Rui Rio que, esta segunda-feira, num debate com André Ventura, veio dizer que “os militantes do PSD não querem um PSD encostado à direita, querem um PSD ao centro, moderado”.

Se as eleições são ganhas ao centro, é nas franjas que se constroem as maiorias absolutas. Daí António Costa estar a apelar ao voto útil da esquerda radical desde o dia em que soube que iriamos para eleições antecipadas.

No debate na SIC, Rui Rio também fez um apelo ao voto “útil e razoável” no PSD porque sabe que, se não quiser depender da extrema-direita para governar, vai precisar de um resultado confortável que o deixe apenas a depender do CDS e do IL.

Só que Rui Rio comete um erro, porque pede o voto útil e o seu contrário. Ou seja, ao mesmo tempo que verbaliza o pedido do voto útil, desafia o Chega a viabilizar um Governo do PSD: “Se o PSD apresentar um programa de Governo na Assembleia da República, aí naturalmente o Dr. André Ventura tem de decidir se quer chumbar o Governo do PSD e abrir portas à esquerda”.

Ora bem, se o líder do PSD admite governar com os votos de André Ventura, então por que haveria o eleitorado do Chega transferir o seu voto “útil” para Rui Rio?

Esta contradição é um problema técnico. Depois há todo um problema moral que Rui Rio vai ter de resolver se não quiser ficar dependente dos votos do Chega para governar. O Chega é um partido anti-regime, populista, xenófobo e que tem um líder que foi condenado pelo Supremo Tribunal de Justiça por “segregação racial”.

Não basta a Rui Rio afirmar que não fará coligações com o Chega; o líder do PSD não pode aceitar liderar um Governo que dependa dos votos do Chega e muito menos replicar a solução vergonhosa dos Açores, região onde André Ventura acha que metade da população vive à custa do RSI e tem um “Mercedes à porta” de casa.

O RSI para quem não saiba é uma prestação social que implica, desde sempre, uma série de compromissos por parte de quem o recebe, nomeadamente a procura de emprego, e colocar o filhos menores na escola.

No debate entre André Ventura e Rui Rio quem é que ganhou? Ganhou Clara de Sousa, a jornalista que estava a moderar o debate e que, perante a ausência de indignação por parte do líder do PSD, indignou-se ela: “Mas sabe que essa generalização do Mercedes é perigosa e é falaciosa?”

É com esta gente que o PSD conta para lhe aprovar o programa de governo na Assembleia da República?

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