Orçamento Central

Nem liberal nem social, o país tem as contas de acordo com as circunstâncias políticas. E as circunstâncias políticas são o bloqueio ao centro e uma espécie de resistência ao futuro.

O Orçamento é o retrato político do país. O retrato de um Portugal reduzido às tecnicalidades de um discurso oblíquo entre uma dúvida e duas questões. A dúvida está na visão que o Orçamento tem para Portugal. As duas questões espreguiçam-se entre um país liberal e um país social. Nem liberal nem social, o país tem as contas de acordo com as circunstâncias políticas. E as circunstâncias políticas são o bloqueio ao centro e uma espécie de resistência ao futuro.

A leitura heterodoxa do Orçamento aponta para um enorme cansaço democrático que oscila entre o esgotamento político e o discurso prudencial do país das contas certas. Logo em Portugal que é um país que estruturalmente desconhece a virtudes das contas certas. Observa-se o Orçamento e fica a sensação de que a única visão que existe para o país é precisamente tentar parar a nação fingindo que existe um Portugal em movimento. O Governo parece odiar com todo o coração a sociedade do mercado e da concorrência que não poupa os pequenos portugueses. O mesmo Governo que parece odiar com o mesmo coração a sociedade estatista e estatizante que não poupa os grandes portugueses. Este Governo da AD tem o coração dividido, o que equivale a dizer que troca a política por uma visão ética marcada pelas boas intenções e outras juras eternas. A política não funciona deste modo. No Orçamento falta a crueldade de um destino maior suportado pela riqueza da nação.

O Portugal fechado e provinciano morreu de morte natural e ficou entre nós o medo do Mundo. A pequena economia aberta ao exterior não consegue assimilar esta condição porque o estrangeiro perturba e transtorna o conforto nacional. E o conforto nacional é o retrato da pobreza. Mesmo quando o país cresce, o país continua pobre. Esta é uma tendência secular que Portugal não consegue ultrapassar. O desenvolvimento do país exige que os portugueses enriqueçam, pois já não existe qualquer virtude na ideia de uma pobreza bem distribuída. O que o país necessita é de uma nova riqueza bem distribuída. Todas as soluções de política orçamental devem ter esta visão do país que é uma ideia nova para Portugal. Basta de ideias velhas que se injectam para fingirem a mentira de serem novas.

A convivência entre os velhos e os novos pobres já não produz uma solidariedade de classe, uma variante ao reflexo cristão da consolação. Existem bolsas de riqueza em Portugal que se cruzam com uma multidão de classe média que é pobre para os padrões da Europa. Os novos pobres não toleram os novos-ricos pois a visão de uma riqueza próxima e visível alimenta todos os ressentimentos e justifica a ascendência de um discurso populista. O cansaço democrático dá lugar à democracia das emoções primárias. E a democracia das emoções primárias cresce no discurso da direita radical. E ainda há quem fique surpreendido com este nacionalismo pós-moderno que não é mais senão a versão contemporânea de uma sociedade fragmentada e em fragmentação.

A ideia de um Estado Estratega não é dirigismo nem liberalismo, mas sim o escrutínio coordenado de uma política executiva que visa construir uma ideia de país e um modelo de desenvolvimento. O Orçamento 25 pois nada tem de estratégia e menos tem de modelo de desenvolvimento. O Orçamento é um documento político obrigatório mas que brilha pela verdadeira ausência de política. É um Orçamento de recurso que pretende evitar eleições e nesse sentido tem um objectivo político imediato – ganhar tempo para o Governo, perder tempo para o país.

Com o motor da Europa em crise, com a guerra às portas da Europa, com o consenso político do pós-guerra a caminhar cultural e politicamente para um ambiente político próximo do de entre guerras, com o declínio democrático da América, Portugal prepara um Orçamento onde não se pretende convocar as forças vivas da nação nem mudar de povo.

Nos últimos 30 anos, o PIB português cresce cerca de 48%. Nos mesmos 30 anos, o PIB da Irlanda cresce 305%. Alguma coisa está profundamente errada com a política de desenvolvimento em Portugal. Será apenas “erros meus, má fortuna, amor ardente”? Na poesia do Orçamento o Ministro das Finanças sublinha em discurso que o país não suporta excedentes superiores a 0,2% ou 0,3%. Excedentes de 1% ou 2% representam um peso incomportável na carga fiscal e nos serviços públicos – carga fiscal asfixiante e serviços públicos indecorosos. Para além de uma economia de gestão de caixa, o que falta na equação política portuguesa é uma estratégia de criação de riqueza. Para além do teatro forense da retórica, o Orçamento devia ser uma Fábrica de Unicórnios na Floresta Encantada de um futuro ainda por inventar.

A facilidade é um vício. É como beber café com idiotas úteis. Contentes com um país à beira-mar plantado. Enquanto o Mundo sobe ao topo da Montanha Mágica.

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