Os avanços tecnológicos e o paradoxo da inteligência artificial

  • Paulo Monteiro Rosa
  • 9:00

Enquanto o cérebro humano está limitado a cerca de 1500 cm³, o de um humanoide praticamente não conhece limites, graças à capacidade de expansão na ‘nuvem’.

Ao longo da História da Humanidade, a tecnologia sempre contribuiu para a melhoria do bem-estar do ser humano. Apesar de muitas vezes ser injustamente associada ao aumento do desemprego, ela permitiu sempre enormes ganhos em lazer, saúde, educação, conhecimento e, em última análise, felicidade — que deve ser a verdadeira medida do sucesso económico e da maximização do bem-estar do ser humano, objetivo último da ciência económica.

Com a invenção da roda, por exemplo, aqueles que habitualmente carregavam a caça e os frutos silvestres perderam o seu trabalho. No entanto, surgiram novas atividades de maior valor acrescentado, como mais tempo para ensinar as crianças, para o lazer e para as artes. Cada avanço tecnológico aumenta a eficiência produtiva e liberta o ser humano de tarefas repetitivas, mais físicas ou perigosas, permitindo-lhe dedicar-se cada vez mais à criatividade, à reflexão filosófica e ao prazer de viver a vida.

Sempre existiu uma relação positiva entre mais tecnologia e o aumento do bem-estar do Homem. Mas agora, a inteligência artificial ameaça, paradoxalmente, quebrar essa relação. Ou seja, mais inteligência artificial — sobretudo sem regras e sem ética — pode significar, pela primeira vez na História da Humanidade, uma perda real de qualidade de vida ou mesmo, no limite, a extinção da nossa espécie.

Porquê? Provavelmente, o ser humano vive em sociedade porque essa é a forma mais segura de perpetuar os seus genes. No entanto, o seu ego é enorme — faz parte da sua natureza animal. E se, no limite, cada ser humano pudesse garantir a sobrevivência dos seus próprios genes em detrimento dos genes dos outros semelhantes? Seria mesmo capaz de o fazer? A inteligência artificial — não a atual, mas a que ainda está por vir, muito mais sofisticada — pode, infelizmente, ser uma ferramenta poderosa para facilitar esse processo.

Ninguém fica rico numa ilha deserta. São sempre necessários trabalhadores — até agora, seres humanos — auxiliados, sobretudo nos últimos séculos, por máquinas cada vez mais eficientes, para produzir bens e serviços para outros seres humanos, ganhar dinheiro com essa atividade, pagar salários e, com o lucro, comprar aquilo que não se produz.

Mas, num futuro não muito distante, grandes empresas, detentoras de muito capital, controladas por poucas pessoas e auxiliadas por uma poderosa inteligência artificial, poderão prescindir do trabalho — e até do consumo — do ser humano. Se conseguirem produzir tudo com máquinas, ciborgues ou humanoides, e não precisarem de vender fora do seu próprio círculo, o ser humano — o seu semelhante — deixa de ser necessário. O equilíbrio que sempre sustentou a nossa civilização seria quebrado, e a ideia de que o Homem pode tornar-se simplesmente descartável é assustadora.

Este cenário, apesar de ser ainda muito especulativo, alerta para a extrema importância da ética e para uma possibilidade que, embora atualmente remota, poderá vir a tornar-se real: pela primeira vez, a evolução tecnológica coloca-nos perante a hipótese de sermos ultrapassados por uma nova forma de “vida”, mais forte, mais inteligente e, provavelmente, mais criativa do que nós, num futuro não muito longínquo. Numa alusão à teoria evolucionista de Darwin, o ser humano poderá muito bem não ser o último elo na cadeia evolutiva.

Enquanto o cérebro humano está limitado a cerca de 1500 cm³, o de um humanoide praticamente não conhece limites, graças à capacidade de expansão na ‘nuvem’. O emaranhado de sinapses do cérebro humano permite-lhe a consciência de si próprio, da sua existência e uma extraordinária capacidade criativa. Por que razão, no futuro, não poderiam também as inúmeras conexões e o fluxo quase ilimitado de informação de um humanoide dotá-lo igualmente da consciência de si mesmo e de uma criatividade sem precedentes?

 

  • Paulo Monteiro Rosa
  • Economista Sénior, Banco Carregosa

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

Os avanços tecnológicos e o paradoxo da inteligência artificial

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião