Os avisos de Schauble

Portugal tem de levar os avisos a sério. Não apenas de Schauble, mas também da Comissão Europeia, das agências, dos bancos internacionais e dos investidores.

O ministro das finanças alemão Schauble voltou a semana passada a lançar avisos para Portugal, dizendo que esperava que o país evitasse um novo resgate. Creio, antes de mais, que o aviso de Schauble não era apenas dirigido a Portugal, mas encerra uma mensagem mais importante. Essa mensagem é que o paradigma europeu mudou.

Esta mudança, que ocorreu nos últimos 2-3 anos, decorre de uma causa e uma consequência:

A causa é que os contribuintes do centro e norte da Europa cansaram-se da indisciplina financeira e orçamental dos países do sul. Se isso é justo ou não, é algo que não vale muito a pena discutir. Nem creio que o argumento de que a moeda única tem favorecido as economias mais fortes seja muito credível. O Euro deu a países mais pobres e com economias menos robustas acesso a um mercado de financiamento abundante e com taxas de juro muito baixas.

Mesmo antes da crise financeira, basta pensar que até 96-97 Portugal teve sempre taxas de juro acima dos dois dígitos; entre a entrada no Euro e a crise financeira as taxas a 10 anos passaram para os 3%-4%.

A consequência traduziu-se numa subida das eleições e nas sondagens de partidos populistas antieuropeus.

O que Schauble disse foi que a mudança de paradigma na Europa traduz-se nisto: Em 2010-2011, quando foi preciso acudir à Grécia, à Irlanda e a Portugal, não havia os mecanismos formais (que foram criados por via dessas crises), mas havia vontade política e capacidade de os implementar e tomar decisões difíceis junto dos respetivos eleitorados.

Hoje, os mecanismos existem. Só o ESM tem uma capacidade de financiar países em dificuldade em 500 mil M€, qualquer coisa como 2,5 vezes o PIB português e 2 vezes a dívida pública nacional (não chegaria para Itália é um facto). E existe ainda o “poder de fogo” do BCE (a reduzir-se e com menos margem de manobra é outro facto), no mercado secundário.

Só que agora talvez já não exista a vontade e a capacidade política de tomar decisões. Recorde-se que para um país receber assistência financeira do ESM, é necessário o consenso unânime dos Estados membros. É verdade, dirão alguns, que a Comissão Europeia pode invocar que sem essa ajuda a estabilidade e sobrevivência da moeda única pode estar em causa, e com isso ultrapassar a questão da unanimidade (embora Alemanha, França, Itália e Espanha tenham poder de veto).

Mas eu não me fiaria muito, caso seja necessário o ESM financiar um Estado membro, quer no acordo unânime dos restantes Estados, quer na capacidade da Comissão em ultrapassar algum voto contra.
E a verdade é que tenho muitas dúvidas que na Holanda, na Finlândia, na Áustria e mesmo na Alemanha, o voto fosse favorável. Tenho sobretudo dúvidas que não houvesse um destes países (ou até outro) que não votasse contra. Nestas coisas, a vontade conta muito mais que os mecanismos e os instrumentos.

Mas tem Schauble razão em falar sobre Portugal? É preciso não esquecer que apesar do efeito “anestesiante” da política monetária do BCE, as taxas de juro a 10 anos de Portugal estão neste momento no limiar daquilo que o país aguenta e que os mercados aceitam. Com as taxas a 10 anos acima dos 4% desde há mais de 4 meses, dificilmente as taxas voltarão a descer desse patamar.

Esse facto coloca duas questões: a primeira é como vão reagir as taxas de juro de Portugal quando o efeito do BCE se reduzir e esgotar? Subirão para valores em torno dos 5%-6%? A segunda é como vai Portugal financiar-se nos mercados em 2018 e 2019, se as taxas subirem para esse patamar dos 5%-6%?

Há quatro fatores importantíssimos que têm sido na maior parte dos casos ignorados:

  1. Desde o início de 2016 que o IGCP não faz um leilão, mas apenas operações sindicadas, denotando insegurança e algum receio face à reação dos mercados.
  2. Desde então, os investidores estrangeiros quase desapareceram das compras de dívida pública. Estamos no mercado primário de novo a sustentar as emissões no setor financeiro nacional (e em parte num aumento significativo do retalho) e no mercado secundário com as compras do BCE e do Banco de Portugal, via “Quantitative Easing”.
  3. as agências de rating não vão subir a notação de Portugal, pelo que é expectável que esta se mantenha em “lixo” nos próximos tempos. Note-se que a entrevista do ministro Centeno ao Financial Times a semana passada, a queixar-se das agências de rating, é um sinal de desistência. Não só um ministro não se deve queixar de injustiças, quando sabe que isso é irrelevante para quem toma decisões, como mostra que o governo já percebeu que o panorama não se vai alterar. E apenas a DBRS é curto. Portugal precisava que uma das agências subisse a notação para “investment grade”. Não só daria confiança aos atuais investidores, como traria um conjunto muito grande de investidores institucionais, que pelas suas regras de governance, não podem comprar dívida que não seja “investment grade”. Esse aumento da confiança e sobretudo da procura teria um efeito muito positivo nas taxas de juro.
  4. Entre 2018 e 2021, voltamos a ter uma “montanha” de dívida de médio e longo prazo para reembolsar. Nos últimos anos precisávamos de reembolsar 5-6 mil M€, o que somado ao défice em caixa e às operações com a banca, implicava emitir em torno de 10 mil M€/ano. Entre 2018 e 2021, iremos precisar de financiar anualmente, no médio e longo prazo, 15 a 20 mil M€. Isso coloca uma enorme pressão nos juros, que já estarão pressionados para subir pela política do BCE e pelas expetativas de inflação na zona Euro, bem como pela fraca prestação económica e orçamental que se antevê.

O que há a fazer? Levar estes avisos a sério. Não apenas o de Schauble (esse é sobretudo político, mas achar que é para distrair de problemas na Alemanha é ridículo). Mas sobretudo levar a sério os avisos da Comissão Europeia (que prevê um agravamento do saldo estrutural e das condições económicas para os próximos anos em Portugal), das agências de rating, dos bancos internacionais e dos investidores institucionais.

É que os mercados sentem o cheiro do medo…

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