
Os debates e os debates dos debates
A opinião que sucede os frente-a-frentes, muitas vezes, tem mais tempo e espaço para definir opiniões que os candidatos tiveram momentos antes para explanar ideias.
Em tempos de eleições, os debates multiplicam-se como promessas de campanha, proliferando, ainda mais, os debates sobre os debates. Assim, neste contexto, estou muito interessado no debate sobre os debates e sobre os debates dos debates.
A cada eleição que passa – e são cada vez mais frequentes – sou levado a perguntar-me se faz sentido haver dezenas de encontros televisivos entre líderes partidários. Afinal, que interesse tem? Nestas eleições haverá 28 debates a dois – 28! Para além de, evidentemente, cansar tanto os intervenientes como os eleitores, que efeito tem?
Debate após debate, os temas são os mesmos, as respostas copiadas textualmente. As intervenções são previsíveis e os números começam a ser repetidos. Discussões de meia hora, às vezes menos, servem para quem? A quem? São meros tempo de antena a dois. Pensemos, por exemplo, no caso do encontro entre o PCP e a IL: há algum eleitor que esteja em dúvidas entre ambos? Não. Limitam-se a ser entrevistas paralelas no mesmo estúdio de televisão.
Essencialmente, oferece um tempo de antena desmesurado aos partidos mais pequenos, desde que tenham assento. O PAN com 1 deputado (em grande risco) tem infinitamente mais tempo de antena que o ADN que com assinalável probabilidade elegerá, pelo menos, um deputado e não tem tempo algum. É justo? E se o JPP eleger um deputado com 20 e poucos mil votos, que se fará aos partidos que tiverem mais votos, mas não elegerem? Faz sentido associar a presença e o tempo de antena à eleição e não ao número de votos?
Apenas mais uma pergunta: num cenário em que todos os partidos que hoje têm assento parlamentar se mantêm, o ADN e o JPP elegem e o CDS concorre separado do PSD, aceitaríamos, então, 55 frente-a-frentes? É evidente que não, nem faria sentido. Se ao ler um livro ou um manual sublinhasse todas as linhas, seria o mesmo que não sublinhar nada. Com os debates o efeito é o mesmo – se os prolongamos, em número, ao ridículo, estamos a caminhar para igualar a sua relevância a zero.
Este modelo visa, apenas, preservar o status quo dos partidos que já lá estão, favorecendo, especialmente, os partidos mais pequenos. Tudo na base de um acordo entre as três televisões generalistas, sendo a exclusão do grupo Cofina a prova mais evidente disso. A cada eleição o interesse é menor – o que é natural. Em 2024, registou-se uma diminuição de audiências face a 2022 e é expectável que este ano se mantenha a tendência.
No entanto, mais inquietante que o modelo em si, e as barreiras artificiais que cria, só mesmo o pós-debates. A opinião que sucede os frente-a-frentes, muitas vezes, tem mais tempo e espaço para definir opiniões que os candidatos tiveram momentos antes para explanar ideias. Para além disto, ainda somos presenteados com políticos e até outros candidatos a comentar as prestações dos colegas e seus líderes, como se fossem analistas imparciais.
Nada disto faz bem ao regime: anular a relevância dos debates pela sua banalização, reduzi-los temporalmente à impossibilidade de discutir qualquer tema em profundidade e encher as televisões de comentadores que, cheios de certezas sobre a opinião dos populares, tentam decidir manual e arbitrariamente vencedores só prejudica a festa da democracia.
Perante este cenário, importa perguntar: estamos realmente a informar o eleitorado ou estamos, apenas, a cumprir um ritual televisivo cada vez mais vazio de conteúdo? A multiplicação de debates, sem critério ou profundidade, vulgariza aquilo que devia ser um momento nobre da própria democracia. Pior ainda, ao transformar os pós-debates em palcos para jogos de influência e análises enviesadas, corre-se o risco de substituir o voto informado pela opinião formatada. Se queremos debates com valor, talvez esteja na hora de debater, a sério, o modelo que temos.
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