Os heróis que não se sentem heróis

  • Nuno España
  • 20 Janeiro 2021

"De médico e louco todos temos um pouco". Eles têm muito. Todos importantes. Aliás, todos cruciais. Sem uma peça do puzzle, não há hospital que funcione.

Conheço-os. Tenho-os visto muitas vezes, ultimamente com ainda maior atenção. Aparentam ser como qualquer um de nós — andam por aí, acreditando passar despercebidos. Mas eu reconheço-os. Sei quem são. Caminham diariamente ao meu lado. Mulheres e homens, jovens e menos jovens, vêm de sítios diferentes e vão para sítios diferentes, cada um com os seus valores e objectivos. Entram comigo diariamente nos hospitais e clínicas. Entram, e enquanto aguardamos na fila para a já habitual rotina — medir a temperatura, receber uma máscara, desinfetar mãos e sermos questionados sobre os sintomas –, sente-se a pressa. Caminham rápido. Equipam-se, cada passo tem um sentido, o de servir, sem olhar a quem, nem para o que vão. Vão porque não há outra forma de o fazer. Servem com prazer e com muita humanidade, porque não há outra forma de servir e de tratar, senão exatamente esta.

Reconheço neles um elemento especial, que os faz brilhar de maneira diferente. Têm algo em comum: um sentido de missão, maior que todos eles e claramente muito maior que eu.
De zero a heróis, tão depressa são criticados como recebem salvas de palmas. Ainda assim, continuam a comportar-se de forma idêntica ao que sempre foram. Nunca se sentiram heróis, não se revêm como tal. Embora todos saibamos que o são. Para eles, não há fins de semana, feriados, almoços ou jantares importantes, aniversários ou até Natal. Ou melhor, há. Mas há também uma prioridade maior. A prioridade é simplesmente servir quem os procura.

Provavelmente são loucos. “De médico e louco todos temos um pouco”. Eles têm muito. Não são só médicos. São enfermeiros, auxiliares, fisioterapeutas, farmacêuticos, técnicos, administrativos, operadores de contact center, gestores e limpeza. Todos importantes. Aliás, todos cruciais. Sem uma peça do puzzle, não há hospital que funcione. E esta interdependência, esta articulação, esta correria e esta loucura é que tornam os hospitais tão especiais para mim.

Definitivamente devem estar loucos. Loucos porque vão continuar, mesmo quando a pandemia passar e deixarem de o ser heróis. Não se voltarão a ouvir aplausos na rua e não se farão chegar mais presentes aos hospitais. Muito provavelmente voltarão a ser criticados em breve porque pedem condições dignas de trabalho ou um aumento da remuneração.

Não tenho dúvidas que eles continuarão a ser como sempre foram. Continuarão focados a servir, de sorriso na cara, apesar da responsabilidade, da preocupação, das causas e batalhas que sempre chamarão por eles.

Da minha parte, curvo-me e continuarei a curvar perante a postura de quem, não tendo nada a ganhar, luta como quem não tem nada a perder. Se eu tivesse de descrever esta ação, numa palavra, escolheria grandeza.

  • Nuno España
  • Colunista Convidado. Lusíadas Saúde

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