Os jornalistas do Google

Ninguém pode esquecer a importância da comunicação social para as sociedades democráticas e para a manutenção das nossas liberdades cívicas.

David Carr um analista de comunicação comentou um dia sobre a relação do Facebook com os media: “Para os meios é como um cão que vem a correr para ti num parque. Muitas vezes não sabes se quer morder-te ou brincar contigo”. Comecei desta maneira porque a crise dos media não deriva desta pandemia, é tema recorrente. Para lá da perda de interesse das pessoas com os jornais, nunca os mesmos encontraram o ponto certo de relacionamento com os “new media” e redes sociais que se desenvolveram ocupando o espaço do quarto poder.

O Governo decidiu avançar 15 milhões como medida de emergência para a comunicação social portuguesa, comprando espaços de publicidade. É curto, não agrada a gregos e troianos, isso era impossível, mas estou certo que haverá da parte de António Costa a vontade objectiva de poder ajudar um sector que há muito vive de migalhas, as luzes da ribalta e “glamour” são histórias de outros tempos gloriosos.

E há casos que estão esquecidos. Publicações especializadas, por exemplo no sector dos media, Briefing, Meios & Publicidade, Marketeer, ou Jornal de Letras e o Courrier Internacional, por exemplo, que apoios recebem? Bem como uma questão fundamental para a sobrevivência da imprensa e para o interesse público da mesma, a distribuição, a VASP que chega aos mais recônditos sítios do País e muitas vezes apenas por causa do Correio da Manhã e dos desportivos, Record, Bola e Jogo que precisam também urgentemente de apoio, pois o próprio caudal de notícias desportivas, sem actividade, é escasso e é necessária uma reinvenção quase diária de conteúdos. Logo, é benemérita a atenção da tutela, porém, o plano estratégico tem de ser mais alargado e não apenas cingir-se a distribuir uns cêntimos para descansar uns amigos.

Porque aqui neste espaço há umas semanas escrevi: Os portugueses estão a bater “records” de audiência de televisão, os sites de jornais aumentam o número de utilizadores com maior consumo informativo e o que acontece? Empresas cancelam campanhas de publicidade com a justificação de que como se está em casa não vale a pena investir pois não se compram produtos. Isto é de uma tacanhez e falta de visão inaudita. Recordo a estes decisores que a responsabilidade social é uma forma de se reforçarem as marcas e permanecerem no “top-of-mind” dos consumidores. É tempo de não se desinvestir nos media, pelo contrário, precisamos deles saudáveis para serem nossas muletas para ultrapassar estes dias complicados.

Esta semana, num artigo na Meios & Publicidade, o administrador da Cofina, Luís Santana, por quem tenho grande admiração profissional e amizade, e é uma das pessoas que melhor conhece este sector em Portugal, reforçava o facto dos anunciantes continuarem a colocar grande parte dos investimentos no Google e Facebook, porém, nunca ele nem ninguém viu um jornalista do Google ou um repórter do Facebook em Belém, São Bento ou a questionar a DGS.

Ninguém pode esquecer a importância da comunicação social legítima e pura para as sociedades democráticas e para a manutenção das nossas liberdades cívicas, até como contraponto para redes sociais onde lavram como negócio bastante lucrativos empresas especializadas em “fake news”, canalha a soldo de outros pulhas a escrever mentiras e a espalhar lama sobre gente decente sob o manto do anonimato, e tudo isto contribui para a asfixia de uma comunidade que se habituou a não pagar por um jornal e se remete ao conforto de ler gratuitamente o que está à sua mão sem perceber que tantas vezes está a ser enganado.

Mas não posso deixar de dizer que a comunicação social falha, pondo em risco a verdade, que esse erro contamina a relação do consumidor com o conteúdo, e com quem o produz, e que depois isso se repercute nas vendas. Em Portugal, o maior jornal diário dito de referência, o Público, vende 17 mil exemplares em banca. Isto são números ridículos para uma empresa que paga a uma redacção de bons jornalistas e catastróficos como espelho da nossa sociedade que se está marimbando para a informação.

Passou o tempo dos mecenas, a comunicação social é um negócio há décadas mas tem uma tarefa vital para a democracia, precisamos dela, especialmente dos jornais. Cabe aos jornalistas não vacilarem na busca pela transparência e nunca saírem do trilho da verdade. Portanto, como dizia Émile Augier, “sendo a imprensa um sacerdócio, torna-se indispensável fazer face às despesas do culto”. É tarefa de cada um de nós, das empresas e de um Estado que pode ajudar sem ter a tentação de intervir nem silenciar.

Nota: Por opção própria, o autor escreve segundo a antiga ortografia

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