Os liberais já não aguentam a crise. O Estado que os ajude

De mão estendida, os liberais que professam um Estado mínimo já não aguentam viver sem o Estado. A TAP e a Groundforce são um bom exemplo.

Não é fácil ser-se liberal numa altura em que estamos todos de mão estendida para o Estado.

Um exemplo ilustrativo disto foi o diálogo, no dia 9 de fevereiro entre o ministro das Finanças, João Leão, e o líder do Iniciativa Liberal, João Cotrim Figueiredo. Numa audição regimental na Comissão Parlamentar de Orçamento e Finanças, o líder do Iniciativa Liberal usou todo o seu tempo para criticar o Estado por não ter gasto dinheiro suficiente para debelar a crise e ajudar as empresas, com a execução da despesa a ficar muito aquém do teto autorizado pelo Parlamento.

Quando chegou a vez de João Leão responder, o ministro das Finanças não conseguiu disfarçar um sorrido, fez um esgar de troça e retorquiu: “Bem-vindo ao mundo real em que o Estado é importante e presta apoio e serviços importantes”. João Cotrim Figueiredo limitou-se a sorrir, um sorriso amarelo. Para quem não sabe, o amarelo é a cor política associada ao liberalismo.

O Iniciativa Liberal encontrou algum espaço eleitoral quando o PSD de Rui Rio se virou mais ao centro (“O PSD não é um partido de direita”) e descolou o partido do liberalismo dos primórdios de Pedro Passos Coelho. Aliás, o próprio João Cotrim é capaz de corar ao ler o anteprojeto de revisão constitucional que Paulo Teixeira Pinto fez em 2010 para o PSD de Passos Coelho que abria o caminho aos copagamentos na saúde e na educação e riscava o “justa causa” na parte da Constituição que se refere aos despedimentos.

O Iniciativa Liberal conseguiu algum crescimento — alcançou 3,22% dos votos nas presidenciais, depois de se ter estreado nas legislativas com 1,29% dos votos — apesar do terreno árido para crescer. Não é fácil propalar uma ideologia de Estado mínimo quando todos os setores de atividade pedem um Estado máximo.

Este final de semana, em entrevista ao jornal Público, António Costa dizia a este propósito: “Não tenho dúvida nenhuma de que esta crise foi o maior atestado de falhanço das visões neoliberais. Nesta situação de aperto, não foi só o SNS que se revelou essencial: foi a escola pública que se revelou essencial quando não a tivemos, e todos os mecanismos de proteção social que têm sido indispensáveis manter empresas, postos de trabalho, o rendimento das famílias”.

Uma dessas empresas que está a ser ajudada pelo Estado é a TAP, uma empresa que Cotrim Figueiredo, precisamente nessa audição com João Leão, defendeu que não deveria receber ajudas públicas. O mesmo Cotrim Figueiredo que esta semana escolheu Miguel Quintas como candidato do IL à Câmara de Lisboa.

De acordo com o jornal Expresso, Miguel Quintas defendeu, no ano passado, a nacionalização da TAP em total oposição com o partido: “A avaliar pelos montantes e pela importância da empresa para o país, pensar numa nacionalização não é de todo descabido. Tudo indica que poderá ser uma excelente opção para o desígnio nacional que a empresa tem”, afirmou Miguel Quintas numa entrevista, publicada a 9 de abril, no site Ambitur.

Estas declarações, como não encaixam na cartilha liberal, foram apagadas do site e agora, ao que consta, Miguel Quintas mudou de opinião e já é contra a injeção de mais dinheiro na TAP. Parafraseando Quintas, “não é de todo descabido” pedir alguma coerência a estes senhores.

Nesta luta contra a dita nacionalização da TAP, o IL chegou mesmo a pôr um outdoor, junto ao aeroporto Sá Carneiro, com uma caricatura de Pedro Nuno Santos a propósito deste tema e no qual se lia: “Socialistas a fazer voar o dinheiro dos contribuintes desde sempre.”

Os mesmos socialistas e o mesmo Pedro Nuno Santos que esta semana foram acusados por Alfredo Casimiro, chairman da Groundforce, de também quererem nacionalizar a Groundforce: “É o que quer o Senhor Ministro Pedro Nuno Santos: nacionalizar a Groundforce e entregá-la daqui a uns tempos a outro privado. Estão a aproveitar-se da pandemia para fazer um roubo, tal como os que ocorreram a 11 de março de 1975“.

O mesmo Casimiro que estava a negociar um empréstimo de 30 milhões com o aval do Estado (o tal que quer nacionalizar a Groundforce) para salvar a empresa e que disse ter oferecido “toda a minha posição acionista na Groundforce como garantia”. Entretanto veio a descobrir-se que essa posição de Casimiro na Groundforce já está penhorada a um outro credor. Alfredo Casimiro tem razões para temer o PREC no 11 de março, não o Processo Revolucionário em Curso, mas a Penhora Revolucionária em Curso.

O papel dos liberais, — seja no IL ou das alas mais liberais do PSD e CDS — é importante para equilibrar o espetro político, e ajudar a evitar derivas estatizantes como aquela de fazer testes rápidos à Covid só no ensino público, deixando de fora o ensino particular. Mas nos tempos que correm, em que o único cofre cheio é o do Estado, não é tarefa fácil e coerente ser-se liberal.

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