Vem aí mais um plano, como os do passado. Pobre país político em que salvar empresas inviáveis é consensual, mas criar condições para atrair e fazer crescer empresas competitivas soa a radicalismo.

Há uma semana celebrou-se o décimo aniversário da apresentação do Programa de Estabilidade e Crescimento pelo então ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, no parlamento. Na altura foi apresentado também na sequência de uma crise económica (embora muito menor do que a actual).

O programa prometia um “crescimento económico sustentado” e continha medidas como um “Programa Nacional de Reformas”, a tradicional “Aposta na Tecnologia e Informação”, a “Promoção da Internacionalização” e o “Estímulo ao investimento privado”. Tudo soluções inovadoras que ninguém tinha pensado antes. Era um programa assente em “bases sólidas e credíveis”. Tão sólidas e credíveis que passado um ano já íamos na terceira revisão de um programa que deveria durar 4 anos.

O PS haveria de perder o poder em 2011, mas em 2015 já estava de volta com uma “Agenda para a década” também com a promessa de apostar na inovação, no crescimento, na tecnologia e todas essas coisas inovadoras que ninguém, salvo os magos socialistas do crescimento económico, se lembraria de apostar. Não surpreende, portanto, que o palerministro (é assim que se diz, não é?) que António Costa arranjou para definir um novo programa para a década o tenha acabado em 2 dias. Deve ter bastado copiar e colar de todos os programas quinquenais e decenais que o Partido Socialista fez nos últimos 15 anos com os resultados que se conhecem.

Não é preciso ser nenhum Marques Mendes para antecipar que este novo programa se focará na promoção do crescimento, da inovação, do desenvolvimento, da internacionalização e do investimento. Como sempre, estará assente em “bases sólidas” que irão permitir um “crescimento sustentado”, sendo apresentado pelos jornalistas amigos do poder como algo ambicioso e inovador. Quem criticar o programa será por falta de patriotismo, o único motivo pelo qual alguém criticaria o governo nesta altura. Afinal, nunca ninguém se dedica a avaliar o que aconteceu a todos os programas de desenvolvimento anteriores. É antipatriótico. Nunca ninguém explora as razões do seu fracasso e as aprendizagens que se podem retirar dali. Nunca ninguém assume que errou. Nunca ninguém tenta aprender com os erros. O importante é manter a ilusão de que desta é que é.

Haveria uma alternativa, claro, mas seria certamente demasiado radical. As elevadas taxas de IRS são um dos grandes obstáculos ao nosso desenvolvimento. Como os trabalhadores negoceiam salários líquidos (muitos nem sequer conhecem o seu salário bruto), o IRS é na prática um custo para as empresas.

O IRS é um custo que o estado impõe às empresas para contratar, e é um custo ainda maior para as empresas que querem aumentar salários. É um custo que o estado impõe às empresas pela modernização tecnológica, afinal, graças ao IRS fica muito mais barato para uma empresa ter dois trabalhadores pouco qualificados a ganhar 700€ por mês do que modernizar e ter um a ganhar 1400€ produzindo o mesmo.

O IRS é também um obstáculo à retenção de talento que tem um efeito multiplicador na economia. A partir de certa altura, qualquer trabalhador talentoso que traga valor acrescentado à empresa e à economia tem fortes incentivos a sair do país. Esta fuga de cérebros tem depois consequências na competitividade do país, porque são os melhores talentos que dão às empresas a vantagem competitiva para concorrerem nos mercados internacionais. Perante tudo isto, e precisando o país de atrair empresas de alto valor acrescentado, reter talento e incentivar o crescimento de empresas rentáveis, uma revolução fiscal no IRS poderia trazer a médio prazo o tal impulso que os planos económicos sempre aspiram. Outros países conseguiram dar impulsos importantes de crescimento económico depois de simplificarem e reduzirem as suas taxas de IRS.

Um choque fiscal deste tipo tem sempre um problema: a redução da receita fiscal no curto prazo. Mesmo que a médio prazo um regime fiscal competitivo atraia pessoas e empresas, gerando as receitas fiscais para reequilibrar as contas públicas, um choque fiscal traz sempre problemas nas contas públicas no curto prazo. No entanto, este custo de curto prazo é hoje muito menor do que em circunstâncias normais.

A receita de IRS irá cair substancialmente este ano, independentemente daquilo que seja feito. Como a receita de IRS cairá de qualquer forma, o custo de curto prazo de uma reforma fiscal será também mais baixo. Por outro lado, o choque fiscal poderia fazer com que a recuperação posterior fosse mais rápida e mais forte, com efeitos permanentes de longo prazo. Estamos numa espécie de saldos de política pública: os mesmos benefícios de longo prazo com um custo muito mais baixo no curto prazo. Dificilmente voltaremos a ter circunstâncias em que o custo de um choque fiscal seja tão baixo e os benefícios tão altos e tão necessários.

Claro que o plano é outro e passará por financiar projectos inviáveis, salvar empresas habitualmente pouco rentáveis. Se for o Estado a salvar empresas, os políticos podem tirar fotografias ao lado dos empregados cujos empregos salvaram, aproveitando para colocar amigos nas respectivas administrações. Deixar empresas aparecer de forma espontânea não dá tantas oportunidades para cortar fitas. Temos uma oportunidade única de fazer um choque fiscal, atrair empresas competitivas e talento, mas provavelmente voltaremos a perdê-la. Pobre país político em que salvar empresas inviáveis é consensual, mas criar condições para atrair e fazer crescer empresas competitivas soa a radicalismo.

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