Paralisia cerebral: que coisa estranha é essa?

  • Ana Correia
  • 12 Fevereiro 2019

Quando pensamos no que é viver com uma deficiência somos invadidos por duas ideias/sensações.

Que coisa estranha é essa a que os médicos chamam de “paralisia cerebral”? Segundo a Sociedade Portuguesa de Neuropediatria esta define-se como uma “perturbação não progressiva do movimento e da postura, devido a lesão cerebral ocorrida num período precoce do desenvolvimento do cérebro.”

Saliente-se ainda que “algumas crianças têm perturbações ligeiras, quase impercetíveis, que as tornam desajeitadas, parecendo pouco harmoniosas a andar, falar ou em tarefas manuais. Outras há que são gravemente afetadas com incapacidade motora grave, impossibilidade de andar e falar, sendo dependentes nas atividades da vida diária. Entre estes dois extremos, há vários graus de incapacidade e as manifestações dependem pois da localização das lesões e áreas do cérebro afetadas.” Note-se também que “a criança com PC pode ter inteligência normal ou até acima do normal, mas também pode ter atraso intelectual, não só devido às lesões cerebrais, mas também pela falta de experiência resultante das suas deficiências.”

Muitas, além de incapacidades físicas severas, apresentam também dificuldade e/ou impossibilidade de falar e/ou fazer-se compreender. Colmatar estas limitações com tecnologias e estimular permanentemente as múltiplas formas de comunicação que existem é algo primordial. Toda a gente, sem exceções, deverá ter o direito intrínseco de se expressar livremente perante os outros. Já imaginou se, sendo um adulto com 50 anos, uma grande parte das pessoas falasse para si como se tivesse 10 ou então como se tivesse um “atraso mental”? Já imaginou como é sentir-se alvo de olhares curiosos e amedrontados de pessoas estranhas, todos os dias? Já imaginou o que é sentir, permanentemente, que não pode estar onde quer e com quem quer porque outros decidem isso por si?

Quando pensamos no que é viver com uma deficiência (e com paralisia cerebral), ainda que inconscientemente, somos invadidos por duas ideias/sensações: deve ser uma vida difícil, trágica, triste, indesejável e, em simultâneo, as pessoas que com ela vivem são verdadeiros exemplos de coragem e superação porque apesar das dificuldades, muitas têm uma vida comum e feliz. São, portanto, pessoas dignas de pena, compaixão e admiração (estamos algures entre o coitadinho/a e o herói ou heroína).

Considero que esta dualidade nos tolda a visão a todos e todas, como sociedade. Enquanto mulher com paralisia cerebral, acredito que não somos nem uma coisa nem outra. Somos simplesmente homens e mulheres (ou com outras identidades de género, se for caso disso). Cidadãos e cidadãs de plenos direitos e deveres. Pessoas com sonhos, vontades, aspirações, capacidade de decisão, personalidades. Pessoas que amam e detestam. Pessoas que têm muitíssimo a oferecer às comunidades/meios onde nascem e estão inseridas. Somos crianças, jovens e adultos que devem ser tratados e vistos como tal. A única coisa que realmente precisamos é que nos sejam proporcionadas oportunidades em todos os domínios da vida. Estas oportunidades deveriam ter sempre por base uma coisa chamada “liberdade de escolha”.

Afinal de contas, somos pessoas completas. Não temos vidas tristes nem trágicas. Somos pais e mães, professores e atletas, artistas, cientistas e muitas, muitas outras coisas! E somos tudo isto com uma “paralisia cerebral” que não nos define inteiramente, mas que faz parte da nossa identidade.

Ana Catarina Correia pertence à FAPPC – Federação de Associações Portuguesas de Paralisia Cerebral.

  • Ana Correia

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