Parlamento, Comissão, Polícia, Ladrão

É lícito perguntar até que ponto neste alinhamento das Instituições Europeias não se observa desde já a ausência do poder moderador de Londres sobre o Eixo Paris-Berlim.

Estão escolhidos os nomes para o Top Five da União Europeia. Depois das Cimeiras intermináveis em salas assépticas e à prova de som, mais as discussões bizantinas e a sombra dos vetos, chega finalmente fumo branco – abrem-se as portas e Macron surge em triunfo. Macron foi capaz de conduzir toda a negociação como um romancista vai escondendo e revelando o fim da história em folhetins semanais a consumir pelo povo. O “feuilleton” é bem ao gosto da política francesa – discursivo, pessoal na exploração do tema, moralista na mensagem, com o final feliz de um grão de areia que transforma a feia ostra na deslumbrante pérola. O calculismo de Mitterrand no olhar de Calígula transformado em Macron.

A incapacidade da Alemanha para resistir ao charme cínico da França revela o momento de indefinição na transição política que diminui o governo alemão. A Chanceler Merkel consegue que a Presidência da Comissão volte para a Alemanha 50 anos depois, mas diga-se a propósito que a indigitada é uma figura de segunda linha e próxima de Macron numa visão federal da Europa. O preço político é imediatamente cobrado no Banco Central Europeu com a escolha de uma francesa com uma percepção política do Euro próxima de Macron; e continua na Presidência do Conselho Europeu, com um liberal belga aliado novamente de Macron. Para completar o quarteto, um espanhol social-democrata vai ocupar o lugar de Alto Representante para a Política Externa e Segurança da União.

O elenco não tem em linha de conta os problemas que a Europa irá encontrar nos próximos cinco anos. Todo o exercício é uma movimentação oportunista da França para dominar a União e, deste modo, poder controlar a situação interna da França que parece escapar à dimensão e capacidade política de Macron. Quanto à perspectiva da Europa, as questões da interferência da Rússia, a crescente presença da China, a afirmação da Europa como parceiro à escala Global, o próprio Brexit, e o detalhe de um espanhol como Alto Representante para a Política Externa quando a questão de Gibraltar estará pendente no futuro próximo, tudo aponta para uma visão estreita de curto prazo ditada pelo calendário eleitoral da França. O predomínio da França poderá ser conjuntural e politicamente ocasional, mas é lícito perguntar até que ponto neste alinhamento das Instituições Europeias não se observa desde já a ausência do poder moderador de Londres sobre o Eixo Paris-Berlim.

Duas clivagens são desde logo extravagantes e politicamente imprudentes. O contraste entre o resultado das Eleições Europeias e a representatividade das famílias políticas Europeias, nomeadamente, a ausência total e completa dos Verdes. Este conflito terá de ser resolvido no Parlamento Europeu, logo o choque será inevitável entre as duas Instituições Europeias – a Comissão e o Parlamento que terá de ratificar o nome para a Presidência da Comissão. No imediato, o Parlamento Europeu deu já um sinal com a eleição de um italiano social-democrata para a Presidência da Instituição. Depois o fosso que separa a Europa Ocidental da Europa Central, sendo que nenhum representante da Europa Central figura no elenco dos novos Mandarins da União. A oposição do Grupo de Visegrado em associação com a Itália foram decisivos para a não-escolha do Spitzenkandidat da família Socialista para a Presidência da Comissão. Retaliação ou confusão? Recorde-se que Macron é contra o sistema de selecção e pretende acabar com os Spitzenkandidat, na circunstância presente com algum sucesso.

A questão política mais profunda remete a análise para uma ideia de Europa que não pretende tratar os cidadãos, de modo paternalista, nem como “heróis”, nem como “súbditos”. A Europa plural e democrática deve resistir à tentação de criar uma distância incompreensível entre as Elites e os Cidadãos – o método Macron aprofunda esta terceira clivagem, um espaço onde cresce a demagogia e floresce o Populismo. A perspectiva de uma Europa em processo permanente de integração exige a criação de uma classe política à escala do Continente e não um momento político em que o alinhamento das Elites no topo escolhe por negociação, por acordo e por conveniência, o próximo elenco numa continuidade corporativa pouco transparente e pouco democrática. Neste cenário, a Democracia na Europa é um mero travesti na fachada de uma estrutura burocrática que exerce o poder de forma dirigista e centralista em nome do progresso. Diga-se a propósito que esta visão “utilitária” e “tecnocrática” do poder tem um ilustre representante em Saint-Simon, uma doutrina que afirma que uma “sociedade bem dirigida” elimina o conflito político e permite a “substituição do governo das pessoas pela administração das coisas”. É o contraste entre uma Elite Trans-Nacional suportada pelos traços de uma Cultura Comum Europeia e as exigências de uma Elite Comum Europeia suportada pela estrutura central de uma Entidade Supra-Nacional. Esta tensão está por resolver na Europa, se porventura terá resolução.

As Chancelarias parecem pensar que as estrelas da bandeira são como as fadas do futuro da Europa. Cada vez que negam o futuro, uma fada morre no coração da Europa.

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