Pode a IA permitir que alguém fique rico numa ilha deserta?

  • Paulo Monteiro Rosa
  • 11 Julho 2025

Nos próximos 5 a 10 anos, a inteligência artificial deverá implicar mudanças estruturais profundas em toda a economia e não apenas em setores-chave.

A IA como novo motor dos mercados financeiros

A inteligência artificial (IA), os mercados financeiros e a economia têm estado claramente interligadas nos últimos anos, uma realidade que se impôs sobretudo desde o final de 2022. A IA passou a ser um dos principais motores da valorização das bolsas nos EUA, criando um efeito riqueza visível, mesmo antes dos ganhos de produtividade se refletirem na economia real. A semelhança com o boom das dotcom entre 1995 e 2000 e a posterior massificação da internet entre 2000 e 2005 é atualmente bem evidente.

A ascensão da Nvidia tem sido um dos principais epicentros desta mudança, com uma valorização notável, quase 4 biliões de dólares de capitalização bolsista, e um posicionamento dominante no fornecimento de GPUs para data centers e aplicações de machine learning, à semelhança da Cisco Systems, uma das grandes fornecedoras dos imprescindíveis routers necessários à democratização da internet a nível global no virar do milénio.

Mais do que uma tendência tecnológica, a IA tornou-se um fator central para compreender a atual evolução dos mercados financeiros, devendo também ter um forte impacto nos ciclos económicos e nas novas dinâmicas entre política monetária, geopolítica e inovação.

Prever o imprevisível: os limites da IA nos mercados

A inteligência artificial procura melhorar a capacidade preditiva dos algoritmos, mas, no entanto, o futuro não é obvio.

A imprevisibilidade do futuro pode ser comparada às filas nos supermercados: mesmo quando escolhemos a que nos parece mais rápida, pode surgir um imprevisto — como alguém se ter esquecido do cartão multibanco — e acabamos por demorar mais tempo do que o esperado. O mesmo se aplica aos mercados. A IA pode ajudar a prever, mas não elimina o erro nem garante certezas.

É possível que, no futuro, tenhamos algoritmos cada vez mais avançados a competirem entre si, mas o futuro continuará a ser incerto. O que está a mudar não é tanto a capacidade de prever com exatidão, mas sim a rapidez com que se processam os dados e se tomam decisões. Mesmo com grandes avanços, a natureza imprevisível dos mercados, da economia e das relações e interações entre os seres humanos, continuará a colocar limites à capacidade preditiva de qualquer supermodelo.

A inteligência artificial representa uma revolução com um alcance muito superior ao de qualquer inovação tecnológica anterior — não só nos mercados, mas em todos os setores da economia. No entanto, esse avanço coloca questões éticas fundamentais.

Quem controla a IA controlará o Futuro?

A assimetria no acesso à tecnologia é um dos pontos críticos da atual revolução da inteligência artificial. Os grandes investidores institucionais e as grandes tecnológicas têm recursos para desenvolver ou adquirir modelos avançados, contratar talento qualificado e aceder a quantidades incomensuráveis de dados — vantagens que dificilmente estão ao alcance de pequenos investidores ou empresas. Esta desigualdade poderá acentuar a concentração de riqueza e a criar barreiras à entrada cada vez mais elevadas.

 

IA: aliada ou ameaça ao ser humano? A importância da ética

Urge uma reflexão crítica sobre o impacto da IA não só nos mercados financeiros e na economia, mas também em todas as relações e ações entre os seres humanos. A IA deve ser uma ferramenta de apoio à decisão, mas ameaça ser substituto ao pensamento humano.

É fundamental reconhecer que os algoritmos, por mais sofisticados que sejam, baseiam-se em dados históricos e não eliminam a incerteza futura. O futuro não é óbvio. A diversificação, a prudência e a supervisão humana mantêm-se centrais — pelo menos para já, se a premissa de que ninguém fica rico numa ilha deserta se mantiver, e se o ser humano não for totalmente substituído por humanoides nos postos de trabalho.

No que concerne aos mercados financeiros, a IA, em vez de democratizar o acesso à informação e à análise de mercado, poderá, paradoxalmente, aumentar a desigualdade e assimetria. Quanto mais sofisticados forem os modelos, maior será talvez o fosso entre grandes institucionais e investidores de retalho. Há o risco de reforçar uma elite financeira e tecnológica com acesso exclusivo a ferramentas de decisão automatizada.

Na verdade, as grandes empresas vivem dos seus clientes — e ninguém fica rico numa ilha deserta. Mas, se o trabalho humano se tornar verdadeiramente prescindível e puder ser facilmente executado por um humanoide, e se não houver uma regulação forte e cabal que o impeça, a IA tornar-se-á também um enorme paradoxo: pela primeira vez, uma tecnologia deixará de estar ao serviço do ser humano e da melhoria do seu bem-estar, passando a ser uma ameaça à sua própria existência.

É preocupante a atual tendência de concentração, visível na valorização das “Magnificent 7” e no peso crescente de poucos atores nos principais índices acionistas.

Aplicar a IA de forma responsável implica assegurar que esta serve o ser humano e não o substitui de forma cega. Sem uma regulação forte e transparente, a IA poderá deixar de ser um instrumento de progresso para se tornar um fator de exclusão, concentração e risco sistémico.

O futuro do trabalho e da economia na era da IA

Nos próximos 5 a 10 anos, a inteligência artificial deverá implicar mudanças estruturais profundas em toda a economia e não apenas em setores-chave. A automatização de processos repetitivos é já uma realidade cada vez mais presente e a análise preditiva em tempo real e a personalização de serviços, desde financeiros aos cuidados de saúde e educação, serão realidades cada vez mais dominadas por modelos de IA. No entanto, essa evolução tecnológica trará também desafios significativos em termos de emprego, regulação e concentração de poder.

Todo o ser humano deverá estar preparado e será essencial investir em literacia digital, requalificação profissional e formação ética, mas o ser humano poderá num futuro não muito longínquo, ser incapaz de acompanhar a IA, caso ela seja de tal maneira criativa. E se estiver nas mãos de poucos, será uma real e perigosa ameaça. Também será necessário repensar o papel do ser humano na economia. Reduzido a um mero consumidor ou deixado à margem do processo produtivo? Conseguirá o Homem, tal qual o conhecemos, sobreviver a isto? Tal como ninguém fica rico numa ilha deserta, nenhuma economia sobrevive sem participação humana real, a não ser que o trabalho do ser humano possa ser integralmente substituído e não haja capacidade de os Estados impedirem isso.

  • Paulo Monteiro Rosa
  • Economista Sénior, Banco Carregosa

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