
Pode o Filósofo ser um bom Gestor (?)
No perfil dos decisores de amanhã, lado a lado com as suas imprescindíveis competências técnicas, será cada vez mais relevante a capacidade de saber construir um juízo ético.
I. Análise patológica de um ecossistema
Em Portugal, como (de alguma forma) em todo o mundo, continua a subsistir um debate relativamente interessante em torno da formação ideal dos gestores – ou, caso assim se prefira, dos agentes decisores, qualquer que seja o respetivo setor de atividade ou, inclusive, a sua dimensão pública ou privada.
Durante vários anos, e sempre com algumas flutuações pelo meio, a gestão das organizações foi sucessivamente entregue a alguns nichos formativos, a cujo nível pontificaram fundamentalmente engenheiros e juristas, a que se seguiram – em especial, depois do surgimento das Faculdades ou Escolas de Economia – os economistas e os próprios formados ou graduados em gestão.
Mais raros, mas não menos inspiradores, são os casos em que a gestão das organizações é entregue a biólogos, físicos, cientistas da computação ou, mais recentemente, especialistas em algoritmos de inteligência artificial.
Em qualquer um dos casos, pelo menos em regra, qualquer um dos referidos perfis de gestor acabava por juntar à respetiva formação de base algum complemento em métodos de gestão, geral ou aplicada, conforme sucede com o paradigma dos “Master of Business Administration” (MBA), fonte de uma feroz concorrência entre Escolas de Economia e Gestão à escala global.
Sem prejuízo da evolução que o (sempre incerto) modelo-padrão do “bom gestor” tem observado, o tempo atual evidencia uma clara erosão do modelo assente em nichos específicos de formação académica, mormente de base técnica, em detrimento da vocação multidisciplinar, a este último nível com destaque para a importância da formação humanística.
II. A “viragem filosófica” da moderna gestão
Conforme começámos por referir, é inquestionável a necessidade de dotar os atuais e futuros decisores de uma sólida formação em métodos e teorias de gestão geral e aplicada.
Na realidade, é exatamente para isso que servem as Escolas de Gestão e o seu ensino de excelência – sendo que, por mérito de alguns decisores pioneiros e de mente disruptiva, Portugal tem algumas das melhores da Europa e muitos dos seus jovens estudantes, bem como um número cada vez maior de estudantes estrangeiros, aproveitam-no devidamente.
Todavia, e curiosamente, é nesses mesmos habitats académicos, necessariamente vocacionados para o estudo da gestão (e da própria teoria económica), que começa a eclodir uma reconfiguração da oferta graduada e pós-graduada, com um claro reforço da formação multidisciplinar.
É justamente a este nível que começa a sobressair a importância de uma dimensão humanística na formação dos futuros gestores, com especial destaque para a respetiva conexão à Filosofia ou a outras ciências sociais, como a Psicologia, a Antropologia ou a História.
Os exemplos são variados, podendo destacar-se o caso paradigmático do “MSc in Business Administration and Philosophy”, da Copenhagen Business School.
Já ao nível dos referidos MBA, é cada vez mais recorrente a presença de módulos sobre Ética Aplicada, ou alguns rudimentos de Filosofia da Economia ou Filosofia Política, até mesmo à mais recente aproximação à “Filosofia da Gestão”, objeto de uma rápida e fulgurante ascensão ao nível da literatura especializada.
Nessa medida, e sem descaracterizar a centralidade de uma sólida formação de base técnica – que é e continuará a ser primordial – está em curso uma verdadeira aproximação da formação do “bom gestor” a uma vocação multidisciplinar que, no final do dia, procura confrontar os futuros decisores com diferentes formas de pensar e processar a informação.
III. A inevitável mutação de um arquétipo
A figura clássica do “bom gestor” está em rápida mutação e esta última tem na sua base uma mutação dos modelos tradicionais de ensino e treino dos futuros decisores – aos quais já não basta uma sólida formação técnica ou humanística, mas uma simbiose equilibrada entre ambas.
Esta autêntico movimento em curso permite antecipar que, no perfil dos decisores de amanhã, lado a lado com as suas imprescindíveis competências técnicas, será cada vez mais relevante a capacidade de saber construir um juízo ético (ou metaético), a predisposição para conhecer os detalhes que certo tipo de linguagem tem para o mundo decisional ou, em última instância, aspetos ainda mais latos como a influência da aculturação para o investimento ou a relação entre cultura histórica, geografia e aversão ao risco.
Este tipo de formação não pode ser plenamente assegurado pelas Escolas de Gestão e Economia.
De igual forma, não poderá ser plenamente cumprido pelas Escolas de Engenharia, Direito ou qualquer outra de formação técnica graduada.
Só as Escolas de Humanidades, até agora relativamente afastadas da centrifugação do mercado recrutador, poderão desempenhar este papel – pelo que, mais uma vez, os primeiros a fazê-lo terão uma vantagem particular, neste horizonte de redefinição que não passa apenas pela Universidade, mas pela própria sociedade contemporânea.
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