Política externa, mais importante do que nunca, mas ausente como sempre

Há temas de política externa suficientemente importantes para serem ignorados, e que vão até definir a margem de manobra que o próximo Governo terá para cumprir o seu programa.

Estamos a dois dias das eleições e, estranhamente, a política externa esteve ausente dos debates, da campanha e até da cobertura da imprensa. No entanto, pela primeira vez em muitos anos, há temas de política externa suficientemente importantes para serem ignorados:

  1. A criação de uma estratégia europeia de defesa e a necessidade de um aumento significativo do investimento neste setor (que no caso Português pode ter que duplicar face aos níveis atuais);
  2. O alargamento da União Europeia;
  3. O acordo União Europeia – Mercosur.

Mesmo que pareçam muito esotéricos, estes temas vão marcar muito mais os próximos quatro anos do que muitos dos outros que têm sido discutidos. Em bom rigor, vão até definir a margem de manobra que o próximo Governo terá para cumprir o seu programa.

No entanto, quem aterrasse agora em Portugal, diria que ou está completamente isolado do que se passa à sua volta, que há um consenso em todo o expectro político sobre a política externa e o seu impacto em Portugal, ou, última hipótese, que os líderes políticos e jornalistas não consideram que estes temas são suficientemente importantes e preferem antes debater intensamente cenários pós eleitorais, perguntando a mesma questão de formas diferentes…

Infelizmente parece ser o último caso… mas indo por partes:

Defesa

Em primeiro lugar, Portugal tem de cumprir com os seus compromissos com a NATO e atingir uma despesa com a defesa de 2% do PIB em 2028, representando um acréscimo de perto de 1% dos níveis atuais (Gráfico 1). No entanto, pode ser preciso bastante mais, não só para assegurar que a Rússia não ganha a guerra da Ucrânia (algo que não parece ser a prioridade para todos os partidos que concorrem a estas eleições…), mas também, para compensar a saída de cena dos EUA no caso de uma cada vez mais provável vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais em novembro. E as recentes noticias de um plano de defesa europeu, tornam este cenário cada vez mais provável.

Gráfico 1 – investimento em defesa (% do PIB)

Fonte: Nato e cálculos próprios

Segundo um estudo recente do IFO (um instituto alemão de estudos económicos), o investimento total poderia ter de ultrapassar os 3%-3.5% do PIB – pondo em perspectiva, o investimento público pesava em 2023, 3.3% do PIB na UE e 2.7% em Portugal, como se vê no gráfico 2 em baixo.

Gráfico 2 – Investimento público (% do PIB)

Fonte: Ameco e cálculos próprios.

Dai que seja cada vez mais discutido um financiamento comum do investimento em defesa, um pouco à imagem do PRR. O que suscita várias questões, sobre as quais seria bastante útil ter a resposta antes destas eleições, pelo menos por parte dos principais partidos:

Será que os chamados países “frugais” concordam e como será gerido? E para além disso: sobrepor-se-á ao PRR, e a outras prioridades como a transição energética e a digitalização? E qual o impacto deste aumento de investimento no preço de certas matérias primas e de certo tipo de mão de obra já que existe uma sobreposição não negligenciável? Será que teremos alguma resposta nestes últimos dias? Duvido…

Alargamento da UE

Neste caso, a questão não passa necessariamente por saber se Portugal concorda ou não, porque já demonstrou o seu apoio, mas sim discutir os seus termos e o impacto que terá no funcionanento da união e na sua relação com Portugal – leia-se principalmente na diminuição dos fundos comunitários disponíveis para Portugal. Caso a Ucrânia, a Georgia e a Moldávia adiram à UE, tal levará a um aumento de 10% da população (principalmente devido à Ucrânia) e a uma subida bem inferior do PIB, já que estes países tem um rendimento bastante inferior à medida atual. Para além disso, a necessidade de investimento na Ucrânia não só durante, mas também depois da guerra é tal que levará a uma necessidade grande de aumento do orçamento comunitário e a uma alteração das prioridades externas – não seria relevante discutir isso em Portugal também?

Gráfico 3 – Dimensão dos alargamentos da UE

Fonte: CEPR, 2024.

Acordo UE – Mercosur

Finalmente, outro tema praticamente ausente de qualquer debate público, mesmo da imprensa: o longamente esperado acordo comercial da União Europeia com o Mercosur. O impacto deste acordo na agricultura europeia foi o rastilho que iniciou os protestos dos agricultores por toda a Europa. E tem um impacto que até pode ser positivo para Portugal dado os seus laços Brasil. No entanto, não é discutida nem a posição portuguesa nem tão pouco os seus impactos ou alternativas. Algo bastante preocupante tendo em conta que existe ainda bastante margem negocial. Se Portugal não a aproveitar, outros o farão no seu lugar.

Claro que é demasiado otimista esperar milagres e que se discutam estes temas mais chatos nos últimos dias da campanha, quando se debate principalmente a dimensão das últimas arruadas em Lisboa ou a última polémica do dia. No entanto, não há muito por onde fugir, e parafraseando a famosa frase do candidato presidencial americano Ralf Nader em 1992 – se não estamos virados para a política externa, a política externa, virar-se-á contra nós!

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