Por que a meta de inflação dos bancos centrais é 2%?
Existe realmente uma razão válida para que a meta de estabilidade de preços, amplamente adotada pelos bancos centrais das economias avançadas, seja de 2%?
Se a deflação tecnológica representa o cenário mais favorável para a maximização do bem-estar das populações, então por que razão a meta de inflação dos bancos centrais é de 2%? Não deveria o objetivo de estabilidade de preços ser de 0%, uma vez que estabilidade pressupõe ausência de variação? Paul Volcker e o seu sucessor, Alan Greenspan, defendiam uma inflação entre 0% e 1%. Afinal, os consumidores não apreciam a subida dos preços, enquanto os vendedores, por outro lado, beneficiam da venda a preços mais elevados. Então, por que não estabelecer um objetivo de estabilidade de preços de 1% ou de 3%? Por que não considerar uma inflação negativa, ou seja, a deflação? Existe realmente uma razão válida para que a meta de estabilidade de preços, amplamente adotada pelos bancos centrais das economias avançadas, seja de 2%?
A deflação dos preços no consumidor, impulsionada pelos avanços tecnológicos num contexto de crescimento económico sustentado por essas inovações, representa o cenário mais favorável para maximizar o bem-estar das populações – o objetivo principal da ciência económica.
No entanto, a deflação resultante da correção de um boom imobiliário, da implosão de uma bolha especulativa de um ou vários ativos, ou de uma recessão ou forte desaceleração económica, conduz a mais desemprego, diminuição do rendimento e acentuado abrandamento do consumo, provocando, consequentemente, uma queda generalizada dos preços. Este tipo de deflação é tão prejudicial quanto uma inflação elevada, bem acima dos 2%. São os dois lados da mesma moeda, extremos que se tocam, como num círculo que se fecha.
Contudo, ambos os cenários – a deflação resultante de uma recessão ou a inflação na ordem dos 5% a 6% – tendem a ser temporários, com uma duração habitualmente entre dois e cinco ou seis anos. Todavia, em casos excecionais, esses períodos podem prolongar-se significativamente, especialmente quando a deflação resulta de uma forte especulação, como no setor imobiliário japonês da década de 1990, onde, ainda hoje, os preços permanecem abaixo dos níveis de há 35 anos. Da mesma forma, uma hiperinflação em economias desestruturadas pode persistir por longos períodos. Em ambos os casos, a raiz do problema reside em profundos desequilíbrios económicos.
Nesse sentido, são implementadas políticas orçamentais e monetárias que, por um lado, estimulam o crescimento económico, através da descida das taxas de juro em períodos recessivos, reinflacionando a economia e incentivando o consumo, afastando assim a deflação. Por outro lado, em cenários de inflação elevada, acima dos 4% ou 5%, ocorre um aperto monetário através do aumento das taxas de juro, o que desacelera o crescimento económico, permitindo que a inflação regresse à meta de estabilidade de preços adotada pela maioria dos bancos centrais, especialmente nas economias avançadas, fixada em 2%.
Ao contrário da deflação e da inflação de dois ou três anos vividas após a pandemia – provocadas pelos problemas nas cadeias de abastecimento, pela forte alta dos custos energéticos resultante da transição energética e da guerra na Ucrânia –, que tendem a ser conjunturais, a inflação persistente, ou até mesmo a hiperinflação arraigada, como ocorre em algumas economias de África ou da América Latina, são problemas estruturais que podem levar anos, décadas ou até mesmo séculos a ser debelados. Caso a deflação se revele uma situação estrutural, impulsionada por contínuos avanços tecnológicos – e não pela implosão de uma bolha especulativa de um ativo financeiro, como imobiliário, ações ou obrigações, seguida de uma correção deflacionista –, então ela é mais do que bem-vinda. Longe de ser um problema, representa, na verdade, um progresso tecnológico contínuo que impulsiona a economia e melhora o bem-estar das populações.
Mas, então, por que a inflação de 2% tende a ser vista como sinónimo de estabilidade de preços? Este valor foi inicialmente adotado, por mero acaso, pelo Banco Central da Nova Zelândia no final da década de 1980, como um número arbitrário, envolto numa história curiosa e interessante. No entanto, após se verificar o seu sucesso, a meta foi posteriormente replicada pelos bancos centrais das restantes economias avançadas. É certo que pode haver algum incentivo por parte dos governos em manter uma inflação relativamente elevada, e os 2% já representam um bom impulso para alcançar esse objetivo. Uma inflação moderada, refletida num PIB nominal dois pontos percentuais acima do PIB real — ou seja, com um deflator do PIB à volta de 2% — permite travar a subida do rácio da dívida pública em relação ao PIB nominal, mesmo que a economia cresça apenas 2% e a dívida pública aumente 4%, por exemplo, devido a um acréscimo da despesa pública de 4%, enquanto a receita do Estado se mantém inalterada.
No entanto, a eficácia dessa meta de 2% ao longo de quase 40 anos pode ter tido também um benefício implícito. Vamos supor que a inflação fosse zero ou até negativa: o dinheiro não desvalorizaria e, consequentemente, não perderia poder de compra, o que levaria muitas pessoas com poupanças acumuladas a não precisarem de trabalhar, reduzindo assim a oferta de mão de obra e penalizando o crescimento económico. É certo que as poupanças devem ser protegidas, sobretudo para os reformados após uma vida de trabalho, mas sem comprometer o crescimento económico, pois é uma economia forte que garante o pagamento das pensões.
Alguma inflação incentiva as pessoas a permanecerem no mercado de trabalho, uma vez que o dinheiro que eventualmente amealharam perde valor ao longo do tempo, e as taxas de juro raramente compensam essa perda, dado que taxas de juro reais positivas tendem a penalizar a economia. Assim, o investimento em áreas como o setor imobiliário e a construção — que geram rendimentos através de rendas —, bem como a aquisição de ações ou a criação de empresas – que proporcionam lucros -, promovem a atividade económica, fomentam a criação de novos postos de trabalho e o aparecimento de oportunidades de emprego, impulsionando o bem-estar.
Trata-se do dilema entre liquidez e património, entre poupança e investimento, entre jogar pelo seguro e assumir riscos, entre preservar o capital e ajudar a economia, entre uma postura cautelosa e uma abordagem mais arriscada que impulsiona a criação de emprego e o crescimento económico. A poupança é fundamental para sustentar o investimento, mas, no entanto, sem investimento não há criação de riqueza nem aumento do bem-estar. A inflação tende a penalizar a poupança, incentivando as pessoas a trabalharem e a canalizarem parte das suas reservas financeiras — dinheiro e liquidez — para o investimento em património físico, contribuindo para avanços tecnológicos e impulsionando a economia.
Entretanto, com a chegada de Trump ao poder, surge a expectativa de um novo impulso. O índice da NFIB, que mede a confiança dos proprietários de pequenas empresas, registou um aumento significativo em apenas dois meses, passando de um valor anémico para máximos desde 2018. Sendo as pequenas empresas responsáveis por metade do emprego nos EUA, espera-se que invistam mais, criando postos de trabalho, aumentando a produtividade, gerando mais rendimentos do trabalho (salários) e, consequentemente, estimulando o consumo, o que poderá trazer mais a inflação. Além disso, a ameaça de deportação de imigrantes pode reduzir a oferta de mão de obra, pressionando ainda mais os salários e, por arrasto, a inflação nos EUA. Em suma, uma maior procura de trabalhadores por parte das empresas, combinada com uma menor disponibilidade de mão de obra, tende a pressionar os salários em alta, o que pode espoletar novamente a inflação.
De facto, os dados revelam que a inflação nos EUA aumentou de 2,4% em setembro para 2,9% em dezembro, o nível mais elevado desde julho.
Além disso, o consumo tem sido impulsionado pelo forte desempenho dos mercados acionistas, sobretudo desde outubro de 2023, representando mais um fator de risco para uma inflação persistente. O acesso mais fácil ao crédito pelo consumidor, favorecido pela desregulamentação financeira da proposta da administração Trump, também poderá estimular o consumo. Se Trump conseguir tornar permanentes os cortes fiscais individuais, esse estímulo adicional poderá contribuir para uma maior inflação nos EUA.
Dado este contexto, a inflação nos EUA poderá reacelerar em 2025? As expectativas desempenham um papel crucial na economia, especialmente no que diz respeito à evolução da inflação. Uma nova reaceleração da inflação poderá iniciar um novo círculo vicioso, onde o aumento da inflação alimenta expectativas ainda mais elevadas, penalizando tanto o mercado obrigacionista, que já acumula perdas pelo quarto ano consecutivo, como o mercado acionista, caso surja a perceção de que a Reserva Federal possa aumentar as taxas de juro. No entanto, a Fed nem sempre necessita de agir diretamente, pois muitas vezes a simples expectativa de um aumento das taxas é suficiente para influenciar os mercados.
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