Porque não estás só mas continuas…

Soares não foi um santo. E muito menos uma ‘marionete’ política, ‘esterilizada’, asséptica, sem mácula ou pecado. Tinha as virtudes e os defeitos de um Homem da cidade.

Há Homens assim. A sua morte é a tristeza transformada celebração. A celebração da vida, dos valores e das batalhas de quem coloca sempre a polis em primeiro lugar. Primeiro a comunidade, o coletivo, e depois o individual. Soares foi assim. Não foi um santo; e muito menos uma ‘marionete’ política, ‘esterilizada’, asséptica, sem mácula ou pecado. Tinha as virtudes e os defeitos de um Homem da cidade, da identidade portuguesa e da cultura. Fugiu sempre da contemplação dos unanimismos forjados na corrente predominante. Foi assim contra o fascismo; foi assim contra a ‘democracia popular’; e, foi assim quando lutou pela entrada de Portugal na CEE. Não se conteve; todo ele transbordava. E um transbordar que arrastava amigos e adversários.

Um Homem que fez o seu tempo. É justo dizer que não o fez sozinho. Ao seu lado esteve Maria de Jesus Barroso, e homens como Salgado Zenha ou Manuel Alegre, mas também Almeida Santos e Jaime Gama e mesmo quando a vida os separava, a dimensão humana e a solidariedade fazia regressar as relações humanas ao lugar certo. Perto do coração. Ainda assim, foi pena que mesmo depois de Soares condecorar Zenha com a Ordem da Liberdade, em 1990, que não tenha sido possível restabelecer uma relação pessoal que remontava aos anos 40, em particular ao apoio que os dois deram ao General Norton de Matos nas Presidenciais 1949. Quem não se lembra do slogan “Soares e Zenha não há quem os detenha”?

A trajetória de Soares é a de um português quer fez do PS a força política da liberdade e democracia. Da Europa connosco. Portugal deve-lhe ter ido buscar o país ao século XIX, a uma hibernação macerada por guerras, divisões e revoluções, e ter lançado as bases de um país aberto, tolerante, democrático e economicamente mais próspero no século XXI.

O maior tributo que eu, um deputado do PS, do partido que ele fundou em 1973, lhe pode fazer é afirmar, sem mais delongas, que é assumidamente político. E que é na política, na tolerância e na liberdade da democracia que defendemos, que devemos contribuir para que Portugal e a Europa possam ser territórios de prosperidade e igualdade; de inclusão e de defesa de valor fundamentais como os Direitos Humanos, a Liberdade Religiosa ou o Estado do Bem-Estar. E prosseguir – como escreveu Sophia, ‘Porque não estás só mas continuas’ – um percurso de defesa e consolidação da democracia portuguesa, que tanto depende da Europa como hoje, essa mesma Europa, precisa de nós para se reconduzir aos valores da paz e da solidariedade que estiveram na génese do projeto europeu.

Ser assumidamente político significa isto mesmo: estar na ‘trincheira’ no momento das escolhas das polis, ancorado nos valores da tolerância e da liberdade. E combater o discurso do não-político, da crítica fácil e quantas vezes de injustas generalizações à classe política, como se se tratasse de uma casta separada da sociedade. Não deixar que a politica se deixe aprisionar por quem a quer manietar precisamente para tutelar a polis.

A Europa a que pertencemos vive desafios únicos: populismo xenófobo, o regresso das autarcias antieuropeístas e uma intolerância face ao outro e ao diferente que nos assusta. Um envelhecimento que nos entorpece a vontade de fazer projetos em comum e que nos remete para uma defesa da ‘situação’, restabelecendo novas fronteiras culturais e religiosas, com forjadas autenticidades nacionais, com um crescimento assinalável das desigualdades. Com uma geopolítica que nos faz regressar à visão bipolar, num mundo inseguro, com terrorismo, que combate a nossa forma de viver.

Todas as grandes questões da civilização, dos equilíbrios regionais, da tolerância cultural e religiosa estão aí. Na nossa agenda. Se o medo nos tolher falharemos. E ninguém pode ser assumidamente político se não tiver hoje, como Mário Soares teve, coragem. E porque não estás só mas continuas, aqui estaremos para prosseguir o teu (nosso) caminho. Obrigado Mário Soares.

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