Portugal e a dívida: um problema de hoje?
A dívida pública não é um problema de hoje. E a tentação dos governos também não.
As obrigações financeiras de diferentes maturidades pagam taxas de juro anualizadas diferentes. Por exemplo, obrigações com períodos mais longos até ao pagamento pagam taxas de juro mais elevadas.
Há vários motivos para isto ser assim. Suponhamos uma pessoa que está a considerar como investir 1000 euros para ganhar o máximo dinheiro possível num período de 2 anos. Tem duas opções:
- Compra uma Obrigação do Tesouro a 1 ano que paga 2% (este ano, porque para o ano logo se vê quanto paga).
- Compra uma Obrigação do Tesouro a dois anos que paga 3% por ano.
O que deve fazer? Será que a opção 2 é, de certeza, melhor? Não é claro que a opção 2 seja a melhor. A escolha do investidor vai depender, principalmente, do que o investidor considere sobre o que vai acontecer no futuro, ou seja, quanto é que a obrigação com maturidade a um ano (da opção 1) vai pagar no segundo ano.
Em geral, as obrigações têm um padrão parecido com o do exemplo acima porque comprar uma obrigação a 2 anos tem uma desvantagem relativamente a comprar agora uma a um ano, e depois para o ano outra, porque no segundo caso há um risco adicional, dado não ser possível prever exatamente o futuro.
Por isso, em geral, os juros aumentam com a maturidade. Diz-se que a yield curve – que estabelece a relação entre os juros e a maturidade – é positiva ou “normal”. Mas os juros de longo prazo podem ser, por vezes, menores que os de curto prazo, levando a uma curva invertida, o que geralmente quer dizer que os investidores antecipam que, no longo prazo, as taxas de juro de curto prazo vão ser mais baixas do que são agora – ou seja, antecipam que vem aí uma recessão, sem grande subida de inflação associada.
Em trabalho recente, Rui Pedro Esteves, professor na Universidade de Oxford, estuda como, em finais do século XIX, em períodos em que a yield curve de obrigações portuguesas em Londres tinha tendência para subir, os governos em Portugal foram capazes de contrariar essa tendência através de intervenções no mercado.
Através dessas intervenções, os governos portugueses foram capazes de manter as taxas de juro domésticas baixas. Mas, ao mesmo tempo, Portugal ia lentamente acumulando uma enorme dívida externa. O principal custo era que, para evitar a desvalorização do câmbio por causa do peso do serviço da dívida externa, o governo e o Banco de Portugal tiveram de intervir no mercado cambial, aumentando o juro de curto prazo. Ou seja, comprimiam o yield de longo prazo, à custa de uma maior taxa de curto prazo: um “twist” à portuguesa.
Mas Portugal estava a ficar sem tempo, e a charada só durou até certo dia. A escalada da dívida tornou-se tanta que começou a tornar-se óbvio que Portugal não conseguiria pagar. E, quando uma conjuntura internacional desfavorável apareceu no início da última década do século XIX, esse momento chegou. Portugal viria a ficar várias décadas sem acesso a dívida externa.
Na minha próxima coluna, levantarei alguns paralelos com a situação atual do país.
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