Portugal é o pior pagador da Europa

Queiram perdoar-me o pecadilho de me ter citado a mim próprio mas, nesta matéria do Estado incumpridor, parece-me perfeitamente adequado.

Ricardo Arroja disse um dia que “um Estado de má-fé é meio caminho para um estado de anarquia” – essa é uma das citações que lhe estão atribuídas num motor de busca. Na verdade, tem-no dito e escrito várias vezes ao longo dos anos, incluindo aqui no ECO num artigo intitulado “De má-fé”.

Ora, caros leitores, queiram perdoar-me o pecadilho de me ter citado a mim próprio mas, nesta matéria do Estado incumpridor, uma matéria à qual todos os anos dedico alguns textos, parece-me perfeitamente adequado remeter para as minhas próprias palavras! Porque, tratando-se de uma das minhas principais áreas de interesse, todos os anos novos elementos reforçam a importância do assunto. Um assunto que não é suficientemente destacado na imprensa, permitindo que ano após ano os abusos persistam. Com efeitos em cadeia que muito prejudicam o país.

Vem isto a propósito do European Payment Report 2017, publicado há dias pela Intrum Justitia, e que colocou Portugal no último lugar do índice de risco de pagamento. Segundo aquela publicação, Portugal é hoje o pior pagador da Europa, denotando (e passo a citar) “fraca estabilidade de pagamentos, alto risco” (p.16). Lamentavelmente, como tantas vezes tenho sublinhado, o exemplo do Estado português, o maior pecador entre nós, não poderia ser mais imoral.

O cumprimento de prazos de pagamento é um dos traços característicos das economias onde os contratos são para se respeitar e para se fazerem respeitar. Assim é pelo efeito positivo que produzem na tesouraria dos agentes económicos e, também, pelas externalidades positivas que promovem ao reforçar a confiança entre os agentes. Ao invés, uma cultura generalizada de incumprimento fomenta todo o tipo de perversidades, sobretudo quando é o próprio Estado quem mais a fomenta. É o que sucede em Portugal. O Estado português, constituindo crónico incumpridor dos seus prazos de pagamento, perdendo desta forma o sentido ético que deveria ancorar a sua actuação institucional, dá o mote para que todos os demais lhe sigam o mau exemplo. Para que os prazos de pagamento contratualmente estabelecidos não sejam honrados e para que os devedores se sintam à vontade para “renegociar” (na prática, impondo unilateralmente) novos prazos de pagamento. Esta imoralidade do sistema – medido pela diferença entre o prazo de pagamento acordado e o prazo efectivo de pagamento – é precisamente um dos eixos avaliados no índice da Intrum Justitia e no qual tão mal classificamos. Os outros dois são: a probabilidade de não pagamento e o impacto económico associado ao não pagamento. Tudo considerado, Portugal está em último lugar na Europa.

Não é por falta de leis que os pagamentos em atraso, em particular os do Estado, não se resolvem. Na realidade, existe desde 2011 uma directiva da União Europeia (2011/7/EU), que foi transposta para o ordenamento jurídico dos países membros em 2013, e que limita o prazo de pagamento do Estado aos seus fornecedores a 30 dias (como regra geral) e a 60 dias (como excepção à regra). A lei está de tal forma tipificada que até consagra um juro de mora em caso de atraso para além daqueles prazos: em Portugal o juro de mora do Estado aos seus fornecedores foi definido em 8%. Mas a directiva europeia e a sua transposição jurídica representam letra morta, como frequentemente sucede com estas directivas. Segundo os dados da Intrum Justitia a transposição jurídica é letra morta em cinco países europeus: Portugal, Espanha, Grécia, Itália e (vejam bem a ironia!) também na Bélgica. Nestes países, o prazo médio efectivo de pagamento do sector público é superior a 60 dias e no caso de Portugal é até superior a 90 dias. O relatório também se refere ao sector privado, separando-o entre “B2B” (transações entre empresas) e “B2C” (entre empresas e consumidores finais). Nestes dois segmentos, Portugal evidencia prazos médios efectivos de pagamento de quase 70 e 40 dias, respectivamente.

A directiva europeia é especialmente apontada ao sector público; nas transações entre agentes privados define-se como princípio a liberdade de contratação entre as partes. Mas no que toca ao sector público não. Aqui, defende-se (e bem) que o sector público, pela natureza do seu processo orçamental (isto é, que toda a despesa pública resulta de uma autorização legislativa e de uma apropriação de fundos, consubstanciadas na figura do Orçamento do Estado), tem a obrigação de pagar atempadamente aos seus fornecedores. Mais: que ao não o fazer, os órgãos executivos do Estado, das duas uma: ou estão a fugir à utilização das verbas orçamentais para os fins que lhes deram origem, ou estão a incorrer em desorçamentação, atirando para o futuro o pagamento de despesa pública para a qual não existe cabimento orçamental no presente.

É por isto que é tão importante a existência de bons processos de contratação pública, que alguns apontam como o primeiro passo rumo à moralização do sistema. Mas esta luta contra a captura do Estado tem de ser travada ao mesmo tempo que se reduzem os pagamentos em atraso das administrações públicas, que hoje se cifram em pelo menos 1000 milhões de euros. Para além da injecção de liquidez que tal medida representaria na economia privada, representaria também a reposição da honorabilidade do sector público e, por arrastamento, também a do País. Enfim, de que estamos à espera?!

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