Portugal, o IDE e a ilusão da periferia feliz

Queremos um país onde compensa arriscar, empreender e reinvestir lucros, ou continuaremos a penalizar quem cria valor cá dentro enquanto privilegiamos capital passivo em ativos imobiliários?

Durante décadas, Portugal habituou-se a viver com uma espécie de resignação estratégica: somos periféricos, somos pequenos, e por isso não podemos competir com os grandes. Esta narrativa – tantas vezes reforçada por elites políticas e económicas – tem servido para justificar a dependência externa, a fragilidade industrial e uma ambição frequentemente tímida. Mas será mesmo a geografia o nosso maior obstáculo? Ou é a forma como a usamos?

Basta olhar para o mapa económico do século XXI para perceber que a localização geográfica não é destino inevitável. Países como Coreia do Sul, Singapura, Vietname ou Malásia não nasceram no centro do mundo. Muitos eram, há meio século, mais pobres do que Portugal. Mas hoje integram as cadeias globais de valor, exportam tecnologia, atraem investimento direto estrangeiro (IDE) produtivo e cultivam talento como ativo estratégico.

A chave? Políticas públicas coerentes, uma aposta clara na educação e na indústria, e um compromisso nacional com a produtividade. O IDE, nesses casos, não é apenas um fluxo financeiro: é um instrumento para transformar o tecido económico. Os investidores são bem-vindos, sim, mas ao serviço de uma visão de desenvolvimento. O investimento estrangeiro entra onde há regras claras, talento disponível e uma estrutura fiscal e administrativa que funciona. Não por acaso, estes países registam rácios de exportações superiores a 60% do PIB, impulsionados por sectores como a eletrónica, maquinaria, farmacêutica ou automóvel.

Na Europa, a realidade é mais heterogénea. Países do centro como Alemanha, Áustria, Países Baixos ou República Checa continuam a captar IDE altamente qualificado, inserido em clusters industriais robustos e com uma cultura empresarial exportadora. São economias onde a localização geográfica é, de facto, uma vantagem – mas potenciada por uma rede logística, ferroviária e institucional que os países do Sul não construíram.

A Alemanha é o motor económico da Europa e exerce uma influência determinante sobre as economias vizinhas, mas a forma como essa dependência se manifesta varia significativamente entre a Europa Central e o Sul da Europa. Nos países da Europa Central — como a República Checa, Hungria, Eslováquia e Polónia — a ligação à Alemanha é profunda e direta, especialmente através da integração nas cadeias de valor industriais. Muitas das suas indústrias, sobretudo no setor automóvel e de maquinaria, funcionam como extensões produtivas das empresas alemãs, o que assegura elevados níveis de investimento estrangeiro direto e crescimento económico sustentado. Este modelo permite a esses países beneficiar de emprego qualificado e tecnologia avançada, embora também os torne vulneráveis às flutuações da economia alemã, que afetam diretamente a sua estabilidade.

Por outro lado, o Sul da Europa — onde se inclui Portugal — apresenta uma dependência da Alemanha mais indireta, marcada não apenas pelo turismo, exportações e investimento, mas também pelo desenvolvimento dos chamados nearshore centers. Estes centros de serviços e suporte instalados por empresas alemãs no Sul da Europa têm vindo a crescer, aproveitando a proximidade geográfica, fusos horários semelhantes e custos operacionais mais baixos. Em Portugal, por exemplo, várias multinacionais alemãs estabeleceram centros de atendimento ao cliente, serviços financeiros e tecnológicos, que funcionam como extensões estratégicas das suas operações. Embora menos integrada na indústria pesada do que a Europa Central, esta dinâmica cria uma forma de dependência que fortalece o papel do Sul da Europa como parceiro essencial da Alemanha, enquanto oferece oportunidades para diversificar e qualificar a economia local.

Mas então qual a realidade nacional em termos de IDE? O IDE existe e é bem relavnete em termos de peso no PIB nacioanl, mas muitas vezes, e infelizmente, parece não ter bússola. Desde 2013, o país recuperou fortemente os fluxos de investimento estrangeiro, sobretudo após a crise da dívida. O stock de IDE ultrapassou os 160 mil milhões de euros em 2023, cerca de 65% do PIB, uma percentagem que parece elevada – mas que exige análise crítica. Porque investimento não é sinónimo de desenvolvimento.

Portugal continua a ser uma economia com fraca complexidade produtiva. As exportações representam perto de 50% do PIB, um progresso face ao passado, mas ainda longe de países comparáveis – e, pior, concentradas em sectores de baixo valor acrescentado. O país exporta bens agrícolas, calçado e componentes automóveis, mas poucos produtos patenteados, marcas próprias ou tecnologia avançada.

O resultado é uma balança externa estruturalmente frágil, que depende de ciclos externos, fundos europeus e turismo. E apesar de algum dinamismo recente em áreas como os serviços tecnológicos, o peso do investimento produtivo estrangeiro ainda está longe de alterar o modelo de crescimento. Não basta ter IDE – é preciso ter o IDE certo, e grande parte deste capital entrou nos setores imobiliário e turístico. Mas será que é nau ternos um IDE com alta vocação para investimentos na área do turismo?

O turismo, frequentemente criticado como símbolo de especialização excessiva, não é um problema em si. Pelo contrário: pode e deve ser uma plataforma de afirmação económica, cultural e territorial, desde que inserido numa estratégia inteligente e seletiva. Portugal tem ativos únicos – paisagem, património, segurança, gastronomia, autenticidade – que podem ser mobilizados para atrair visitantes que valorizem experiências diferenciadoras e sustentáveis. O desafio está em evitar a dependência exclusiva do turismo de massas e de curta duração, apostando antes numa política que o integre com produção local, inovação, talento e exportação indireta da marca “Portugal”. O turismo pode ser, assim, uma montra do que sabemos fazer bem – do vinho à arquitetura, da moda ao agroalimentar, do saber-fazer tradicional à tecnologia aplicada à hospitalidade. Se o turismo for visto como ponte económica e não como fim em si mesmo, poderá ser uma das chaves para dinamizar regiões do interior, atrair investimento complementar e reforçar o orgulho em quem somos.

O Bom vs. o Fácil: nem todo o investimento estrangeiro é igual. E Portugal tem sido vítima de uma abordagem preguiçosa, que prefere o capital fácil (imobiliário, turismo, bens de consume – retalho) ao capital exigente (indústria, tecnologia, I&D). O resultado é uma economia que cresce, mas que pouco se transforma. O IDE bom é aquele que obriga a formar engenheiros, a melhorar infraestruturas, a criar relações duradouras com universidades, a qualificar mão de obra. É mais difícil de captar? Sim. Requer políticas públicas inteligentes, estabilidade regulatória, uma justiça eficaz e sistemas fiscais previsíveis. Mas é esse IDE que deixa raízes, e não apenas rendimento imediato.

Conclusão: De vez, uma estratégia de desenvolvimento

Portugal tem de escolher. Pode continuar a ser um país com IDE elevado em percentagem do PIB, mas com baixa sofisticação económica. Ou pode decidir subir na cadeia de valor, atrair capital transformador e qualificar a sua inserção internacional. Não é uma questão de localização – é uma questão de visão, ambição e execução.

Os países asiáticos provaram que é possível sair da periferia do mundo. Portugal, com história, talento e recursos, não tem desculpa para continuar na periferia da Europa – a não ser que insista num modelo de crescimento assente no cimento, no imobiliário e na atratividade turística de curto prazo, em vez de apostar nas pessoas, na educação, no conhecimento e na capacidade de produzir valor a partir de dentro.

O debate recente sobre a criação de um Tratamento Único de Rendimentos (TUR) – visando atrair e reter investimento produtivo através de maior neutralidade e previsibilidade fiscal sobre os dividendos empresariais – ilustra bem este dilema: queremos um país onde compensa arriscar, empreender e reinvestir lucros, ou continuaremos a penalizar quem cria valor cá dentro, enquanto privilegiamos capital passivo em ativos imobiliários? O futuro joga-se nessa escolha. E é uma escolha política. Mas isso só fará sentido se for parte de uma estratégia nacional de desenvolvimento, que alinhe fiscalidade, educação, infraestruturas, administração pública e ambição empresarial. Não se trata de inventar o que não temos – trata-se de usar bem o que já temos. E fazer do IDE um motor da próxima geração económica de Portugal.

  • Colunista convidado. Economista e professor na FEP e na PBS

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