
Portugal precisa de imigrantes. A Europa também
Portugal ainda beneficia da imigração como motor de crescimento líquido. A chave está agora em garantir capacidade de integração.
O parlamento português debateu esta semana um conjunto de propostas que visam alterar profundamente a Lei da Imigração e a Lei da Nacionalidade, com o Governo da AD a apresentar um pacote de medidas que inclui restrições ao reagrupamento familiar, maior exigência no tempo de residência legal para acesso à nacionalidade e a criação de uma nova unidade policial dedicada à imigração. Contudo, nenhuma das propostas foi votada em plenário, tendo todas sido remetidas para a Comissão de Direitos, Liberdades e Garantias para análise técnica e política mais aprofundada.
O debate foi desencadeado a pedido do Chega, que exigiu uma “regulação séria” da imigração, alertando para o “descontrolo” na atribuição da nacionalidade e defendendo a suspensão imediata do reagrupamento familiar. O partido propôs ainda a introdução de mecanismos de perda de nacionalidade em caso de crimes graves e restrições ao acesso a subsídios por requerentes de asilo.
O Governo, por seu lado, apresentou uma proposta que altera os critérios para obtenção de nacionalidade portuguesa, aumentando o tempo mínimo de residência legal para sete anos no caso de cidadãos da CPLP e dez anos para outros estrangeiros. Também prevê a possibilidade de perda da nacionalidade por condenações com pena superior a três anos. No domínio da Lei de Estrangeiros, o Executivo propõe que o reagrupamento familiar apenas possa ocorrer após dois anos de residência legal, com exceção para menores, e restringe os vistos de procura de trabalho a perfis altamente qualificados. Prevê-se ainda a criação da Unidade Nacional de Estrangeiros e Fronteiras (UNEF), integrada na PSP, com competências de fiscalização e repatriamento.
Tudo isto acontece num momento em que a imigração se tem tornado, em toda a Europa, um tema central do debate económico e político. Portugal, com uma das legislações mais permissivas da União Europeia até 2024, destacou-se por ter adoptado um modelo de acesso relativamente facilitado à residência legal, baseado na regularização por vínculo laboral, programas como o “visto para procura de trabalho”. Em contraste, países como França, Alemanha, Áustria e Dinamarca adotam critérios mais restritivos, exigindo níveis salariais mínimos, quotas anuais ou comprovativos prévios de alojamento e emprego.
Este modelo português resultou num crescimento acentuado da população estrangeira: entre 2015 e 2023, o número de imigrantes legais passou de cerca de 400 mil para mais de 800 mil, representando hoje 7,6% da população residente. Do ponto de vista económico, o impacto tem sido amplamente positivo. Segundo o Ministério do Trabalho, os imigrantes contribuíram, em 2022, com um saldo líquido de mais de 1.600 milhões de euros para a Segurança Social, com um rácio de contribuições/despesas superior ao dos nacionais. A taxa de emprego entre imigrantes ronda os 74%, acima da média da UE (70%), segundo o Eurostat.
Portugal é, neste campo, exceção. A Alemanha, por exemplo, tem políticas seletivas baseadas na qualificação (modelo de pontos), com resultados mistos: segundo o IAB, os imigrantes de fora da UE precisam, em média, de 6 a 8 anos para atingir a paridade de rendimento com trabalhadores locais. Já em França, a rigidez das políticas de integração e o peso do desemprego estrutural entre imigrantes (cerca de 15% em 2023, segundo o INSEE) contribuem para pressões sociais e políticas.
Numa perspetiva liberal, a imigração é um vetor necessário para a sustentabilidade das economias abertas num contexto de transição demográfica e envelhecimento acelerado. Sabemos que as sociedades europeias terão de competir por capital humano global, sob pena de colapsarem fiscalmente ou perderem dinamismo produtivo. Assim, o desafio não está na quantidade de imigrantes, mas sim na capacidade de seleção e integração: políticas migratórias devem ser desenhadas com base em critérios económicos racionais, oferecendo canais legais eficientes e previsíveis, enquanto penalizam a informalidade e a migração descontrolada.
Embora os dados económicos confirmem o contributo positivo da imigração, o debate ganha outra dimensão quando se trata de imigrantes oriundos de contextos culturais mais distantes do europeu — nomeadamente do sul da Ásia, África Subsaariana ou Médio Oriente. Nestes casos, a integração tende a ser mais lenta e complexa, sobretudo quando coexistem barreiras linguísticas, religiosas ou de normas sociais. Países como a Suécia, Bélgica ou França, onde comunidades de origem não europeia se tornaram mais expressivas, enfrentam hoje, como sabemos, desafios acrescidos de fragmentação urbana, tensões identitárias e baixos níveis de mobilidade social. A literatura académica aponta que a chave para evitar esses padrões está na velocidade da inclusão económica e na eficácia das políticas públicas de integração, mais do que na origem étnica em si. Portugal, com menor historial de segregação residencial e uma atitude culturalmente mais inclusiva, tem até agora evitado os extremos, mas sinais de concentração geográfica e exclusão laboral começam a emergir em algumas zonas urbanas periféricas, exigindo atenção redobrada.
Em Portugal, a ligação entre imigração e crescimento económico é clara. Estudos do Banco de Portugal estimam que, entre 2015 e 2022, a imigração contribuiu com cerca de 0,3 a 0,5 pontos percentuais ao crescimento do PIB anual. Os imigrantes concentram-se em setores com forte escassez de mão de obra, como construção, turismo, agricultura e serviços, sendo responsáveis por mais de 20% da força de trabalho em algumas destas áreas.
Contudo, este crescimento demográfico acelerado levanta novas tensões, sobretudo no mercado da habitação. A pressão populacional nas áreas metropolitanas — Lisboa e Porto em particular — coincide com uma oferta habitacional rígida, concorrência de atividade turística por ativos imobiliários e a financeirização do setor. Segundo a OCDE (2023), o impacto médio da imigração no preço da habitação ronda 1% por cada aumento de 1% da população imigrante — um contributo relevante no caso português, uma vez que entre 2015 e 2024, a população imigrante em Portugal registou um crescimento significativo: em 2015, o número de estrangeiros residentes no país era de aproximadamente 383.759 pessoas; até 2023, esse número subiu para cerca de 1.040.000, representando um aumento de cerca de 171%. Em 2024, estimativas indicam que a população imigrante tenha ultrapassado 1.100.000 pessoas!!
Quanto à criminalidade, o discurso público nem sempre reflete os dados. Em Portugal, o Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) mostra que a taxa de criminalidade praticada por estrangeiros se manteve estável nos últimos dez anos, representando 13% das detenções em 2023 — um valor inferior à sua proporção na população prisional em países como França (23%) ou Bélgica (28%). Mais, a criminalidade grave e violenta tem caído em Portugal desde 2010, mesmo com o crescimento da população imigrante.
Estamos num momento após eleições em que o modelo português está em mutação. O fim da via de regularização por atividade profissional, decretado em 2024, e a integração da AIMA num novo quadro de controlo migratório, revelam uma viragem na política pública. Também a pressão europeia para reforço das fronteiras externas e o alinhamento com o Pacto sobre Migração e Asilo da UE, aprovado em 2024, deverão traduzir-se em maiores restrições e maior seletividade nos fluxos imigratórios.
Como conclusão, num contexto europeu em que os países competem por talento e enfrentam desafios demográficos semelhantes, a política migratória deve ser integrada numa visão de longo prazo: equilibrar necessidades de mão de obra, coesão social e sustentabilidade das contas públicas. Portugal, ao contrário de grande parte da Europa, ainda beneficia da imigração como motor de crescimento líquido. A chave está agora em garantir capacidade de integração — na escola, na habitação e no mercado de trabalho — para que esse contributo se mantenha positivo e sem tensões em termos sociais.
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