Preocupado com o que a Google sabe sobre si? E a Amazon?
Nos últimos dois meses a Apple, a Google e o Facebook vieram dizer - e repetir - que a privacidade das pessoas estava no topo das suas agendas.
Cada empresa tem razões diferentes para o fazer, mas estão mais relacionadas com a defesa dos seus lucros do que primeiramente com os dados dos utilizadores.
A Apple deu o pontapé de saída com a campanha “Privacy matters”, onde deixa clara a mensagem da importância da privacidade no iPhone. As ações são mais importantes do que as palavras e a Apple tem estado a tomar medidas concretas para aumentar a privacidade de quem navega no seu browser. Aqueles anúncios que nos perseguem por toda a internet? Como quando procura uma cadeira para a sua sala e, de repente, toda a internet se transforma num mar de cadeiras? Chama-se retargeting e implica o recurso a um tipo específico de cookies que dificilmente voltarão a funcionar no Safari – o browser da Apple. Implicações para quem gere campanhas de publicidade digital: 20% das pessoas que navegam na internet em Portugal e quase todas as que têm um iPhone vão deixar de ser impactadas por campanhas de retargeting.
Mas a Apple parece estar a aproveitar as preocupações em torno da privacidade para entrar neste mercado. Este texto escrito pelo engenheiro da equipa de segurança e privacidade do Safari deixa bem claras quais são as intenções da Apple em relação ao mercado publicitário. A ideia central é simples, mas poderosa: para se medir a eficiência de uma campanha de publicidade digital não é preciso saber que eu cliquei no site A e comprei no site B. Basta saber que alguém clicou no site A e comprou no site B. A Apple é perita em virar indústrias do avesso e, neste caso, está numa posição confortável para o fazer, pois o seu negócio é vender hardware e não anúncios. Por enquanto, pelo menos.
Mais palavras e menos ações tem sido a estratégia da Google. Apesar do CEO da empresa ter escrito um artigo de opinião no New York Times a defender que a privacidade não deve ser um bem de luxo, as ações para cumprir essa promessa têm sido escassas. A empresa anunciou que iria proceder a alterações no seu browser – Chrome -, para tornar mais transparente a forma como os sites estão a usar as cookies e, ao mesmo tempo, fazer com que seja mais fácil as pessoas restringirem o seu uso. Mas o diabo está nos detalhes e teremos de esperar até ao fim do ano para perceber o que isto significa em termos práticos. Uma coisa é certa: não é preciso ter um exército de engenheiros brilhantes para tornar transparente a utilização de cookies por parte dos sites e a Google só ainda não o fez porque não quer.
Seja qual for o caminho seguido, a dimensão e informação que a Google detém sobre as pessoas farão com que o resultado de qualquer aumento de privacidade no Chrome seja invariavelmente um reforço de poder da Google em detrimento dos outros players do mercado. No fim caberá à Google decidir o futuro do mercado da publicidade. Os outros terão de esperar e ver.
Quem gere campanhas de publicidade terá de perceber que, por muito que isso lhe possa custar, o ecossistema tecnológico a apostar é claramente o da Google em detrimento de soluções como a Sizmek e AppNexus.
O Facebook, na sua conferência anual para developers, veio dizer que o futuro era privado, mas na realidade já ninguém acredita nas palavras de Zuckerberg, como realça o Washington Post.
Em termos práticos, o que o líder do Facebook anunciou foi que:
- O centro da rede social iria passar da newsfeed para os grupos;
- As comunicações do Messenger, Whatsapp e Instagram passariam a estar unificadas e com encriptação end to end.
Nem Zuckerberg conseguiu disfarçar o incómodo com o que estava a dizer na F8 (por volta do minuto cinco) e que, na prática, era o seguinte:
- O centro da ação já não está no newsfeed, mas sim nas mensagens privadas e vamos ter de alterar a estratégia para continuar a aumentar receitas e resultados;
- Vamos unificar o backoffice das nossas apps de mensagens – o que nos vai fazer ficar a saber muito mais sobre si. Aliás, vamos saber tudo o que se passa nas mensagens, menos o seu conteúdo. Isto porque temos de encriptar o sistema. Não porque estejamos preocupados com a sua privacidade, mas sim porque o negócio está nos pagamentos e transferências de dinheiro por Whatsapp e, para isso, dá-nos jeito que a coisa esteja encriptada.
Em termos práticos, os marketeers devem tomar as afirmações do CEO do Facebook com um grão de sal e ficar muito atentos aos próximos desenvolvimentos nas mensagens e, nomeadamente, no Whatsapp.
Entretanto, a Amazon, cujas receitas de publicidade já representam cerca de 20% das receitas do Facebook tem passado ao lado de grandes afirmações e compromisso em termos de privacidade.
A Amazon alimenta-se essencialmente de duas coisas: infra-estrutura tecnológica e dados sobre os consumidores. E as pessoas que estão preocupadas com o que o Facebook e o Google sabem sobre si deveriam ficar em pânico ao perceberem o que a Amazon sabe.
É que a Google pode inferir que uma pessoa tem interesse em serviços de aconselhamento financeiro, ou mesmo conjugal, com base nas pesquisas que faz e nos sites que visita. O Facebook pode chegar à mesma conclusão, com base em indicadores como artigos que leu, páginas de que “gosta” e se, por exemplo, faz parte de um grupo sobre o tema. Mas a Amazon também sabe se essa pessoa pesquisou livros sobre os temas. Mais: sabe se comprou algum livro, sabe onde essa pessoa mora e sabe com que cartão de crédito pagou.
Se quisermos ir um bocadinho mais além, a Amazon sabe tudo o que comprou na plataforma, todas as séries que viu no Prime e mais algumas coisas, sabendo exactamente como vê o mundo. Há algo melhor para criar uma campanha publicitária eficaz? É que a empresa está a disponibilizar este tipo de informação a agências de publicidade para implementarem campanhas de publicidade altamente segmentadas.
Um artigo recente no New York Times sobre o negócio da publicidade da Amazon revela algumas das táticas usadas pelas marcas. Fala no exemplo de um grupo de centros de fisioterapia que queria angariar novos clientes e que fez uma campanha dirigida a pessoas que moravam perto dos seus centros e que tinham recentemente comprado joelheiras na Amazon. Criativo e eficaz mas creepy.
Os próximos meses serão determinantes e a entrada da Apple e a afirmação da Amazon num negócio até agora dominado pela Google e Facebook vão trazer alguns resultados inesperados. Um dos efeitos secundários desta guerra entre as quatro empresas pode mesmo ser o aumento de privacidade na internet. Mas desta vez, por razões financeiras.
Nota: Por opção própria, o autor não escreve segundo o novo acordo ortográfico
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