Primeiro (en)Canto

Não sei se foi assim que os Lusíadas a passaram mas a contar pelas ondas desta costa, não só lhes saiu a alma como os restos do almoço, em versos decassílabos.

Nunca pensei passar além da Taprobana, como fizeram tão epicamente os Lusíadas, lá pela quarta linha da primeira estrofe. Na verdade, só tive de pagar 40 rupias cingalesas e apanhar um autocarro azul com uma pintura de um lince da Serra da Malcata e uma feiticeira.

Coincidência ou não, o condutor ia tão rápido que a única pessoa que ia a sorrir era o Buda do tablier. (Se encontraram algum sentido neste parágrafo, este país é para vocês).

Passei, então, da Taprobana de boca fechada para a alma não me sair pela cuja. Não sei se foi assim que os Lusíadas a passaram mas a contar pelas ondas desta costa, não só lhes saiu a alma como os restos do almoço, em versos decassílabos.

Bem-vindos ao Sri Lanka, antiga Taprobana, antigo Ceilão e daqui a uns séculos, sei lá! Os países mudam de nome e de forma. De forma que o nome já diz mais do que parece. Capricho de quem vai ao leme. Neste caso os portugueses, holandeses, ingleses e por fim, os próprios cingaleses.

Agora a Taprobana é uma ilha privada ao longo de Welligama. Por 1.750 dólares podemos lá ficar a ver navios por um dia, com direito a um caril de boas vindas. Camões deve ter acampado na praia.

Bom, vir ao Sri Lanka depois de três meses indianos é a cereja e o bolo todo. Uma continuação do shanti sul indiano sem o caos, o estar de cócoras e todos os contras. Não gosto especialmente de partilhar da opinião da maioria mas, desta vez, vou ter de me dar toda a torcer, que só um braço não chega. O Sri Lanka é o proverbial paraíso.

Curiosamente diz que foi aqui que Adão pôs o pezinho quando foi expulso do Jardim do Éden e, se assim foi, não deve ter sentido grande diferença. Mas Adão não veio sozinho: no pico da mesma montanha encantada, pisou Buda, Shiva e São Tomás. Nem Jerusalém tem tanta pegada sagrada. Deve ser por isso que esta gota de água verde esmeralda é tão abençoada.

O único problema é que a cor verde tem um preço caro: chama-se chuva ou, para minha grande e molhada infelicidade, monções!

É é então que eu percebo porque é que as tartarugas têm carapaça: aqui não chove, é o mar que cai de cima. E vem com tudo o que assusta navegadores e jovens viajantes, raios e trovões triunfantes. Uma semana por cá e já pedi a extrema unção, que eles aqui chamam extrem’onção. E, com um sorriso rasgado de quem descende dos deuses certos, dizem: “Isto ainda não é nada, vais ver no final do mês.”

E é com esta proposição, que começa a minha odisseia por terras nunca antes desprezadas, até à Ocidental praia Lusitana. A costa, já sabemos que é formosa. Os gentios, gentis são. E a comida, da pontinha da orelha. O resto, a ver vamos, como dizia o poeta, num dia mais otimista.

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