Quando a Família perde o controlo ou leva o negócio à ruína

Acionistas unidos e com domínio do contexto interno e externo do negócio é a base fundamental de preservação saudável de um Grupo Empresarial Familiar, não garante tudo mas é um princípio fundamental.

Apesar de todas as suas virtudes e vantagens comparativas, os grupos familiares não são imunes ao fracasso porque não conseguem ultrapassar certos desafios que acabam por levar à queda do negócio, à perda de controlo ou ambos. Há dezenas de casos desta natureza e tomámos neste artigo oito europeus e norte-americanos. Estes casos permitem retirar lições de valor (ou takeaways), ajudando a perceber as ameaças que podem surgir e assegurar que as defesas estão preparadas para assegurar a preservação e o sucesso do grupo nas mãos da Família a longo prazo.

Anheuser Busch (EUA)

A Anheuser Busch era uma das três maiores cervejeiras mundiais e líder incontestada do mercado cervejeiro norte-americano durante décadas. Há cinco gerações nas mãos da família fundadora Busch, em 2008 abre-se uma discussão sobre o modelo de sucessão escalando para disputas acesas entre acionistas. Sem a união acionista necessária para acordar a direção futura, o Grupo torna-se presa fácil para aquisição e a Inbev, já o maior grupo do setor, integra a AB. Takeaway – é obviamente essencial haver um plano de sucessão com forte suporte do foro acionista ao longo de toda a vida de um grupo familiar.

Blockbuster (EUA)

Inicialmente uma empresa familiar, a Blockbuster foi chave na nossa geração porque era a única forma de ter acesso a uma boa escolha de filmes … e as multas astronómicas quando nos esqueciamos de devolver as cassetes inspiraram a EMEL. Sabia que tiveram oportunidade de comprar a Netflix quando esta surge? Pois bem, a família recusou… decidiram manter-se no negócio brick&mortar. Em 2010 a Blockbuster acaba morta pelas plataformas de streaming, em particular a… Netflix. Takeaway: anos de alta rentabilidade amoleceram a família que ou não soube construir um horizonte de evolução da sua indústria ou tapou o sol com a peneira e não quis ver um futuro óbvio e inevitável.

Cadbury (Reino Unido)

A família Cadbury é conhecida pelo seu negócio de chocolate, fundado em 1824 por John Cadbury e que conquistou o coração dos ingleses ao longo de gerações. O negócio prosperou sob controlo familiar por muitos anos até que decidiram fundir a empresa com a Schweppes, achando que as sinergias e o crescimento combinado permitiria compensar a diluição do controlo. Não foi assim, a fusão levou a perdas e o gigante americano Kraft comprou o grupo e a depauperada posição da família. Takeaway: a ambição tem de ter limites e os grandes passos dão-se quando há suporte racional, não apenas por sonhos emocionais de grandeza.

Barings (Reino Unido)

O banco comercial mais antigo do Reino Unido, com mais de 200 anos de história, foi sempre um grupo familiar até à sua falência em 1995. A raiz do fim do banco esteve na incompetência dos líderes da famíilia Barings em perceber o que estava a acontecer com o famoso empregado dealer de derivados Nick Leason. Em 1974 o Barings tinha evitado uma crise e o comentário de um membro da família acionista tinha sido “We felt we weren´t clever enough“. Takeaway: Uma família acionista pode optar por estar na supervisão e entregar a gestão do negócio a profissionais altamente competentes e de confiança. Mas mesmo isso não implica uma supervisão eficaz com profissionais externos independentes se necessário.

Krupp (Alemanha)

A Família Krupp foi uma das mais ricas e poderosas famílias do Mundo durante boa parte dos secs XIX e XX. Fundada por Friedrich Krupp, no princípio de sec XX já era o maior Grupo europeu em receitas, manteve-se forte graças aos negócios do aço e do armamento e mesmo depois da II Guerra Mundial. Em 1967, o testamento do líder Alfred Krupp transfere a posição maioritária do Grupo para uma Fundação filantrópica familiar retirando a capacidade efetiva da Família em intervir no negócio. Privada de gestão familiar e diluída com a fusão ThyssenKruppp em 1999, depois de anos de mau desempenho do Grupo a Fundação fecha e a posição acionista da Família desaparece. Takeaway: há que evitar que um acionista possa impor a sua vontade sobre os restantes em especial se isso não for no melhor interesse da Família e da preservação do controlo do negócio nas suas mãos. Alfred destruiu o Grupo.

Forever21 (EUA)

O império de retalho de apparel fundado pela Família Chang tornou-se um grande caso de sucesso em Nova Iorque, levando a uma expansão muito rápida – tão rápida que deixou de lado estudos de mercado e tendências de moda sustentáveis e acabou por conduzir à insolvência do Grupo em 2019. Em 2020 a Família vende o negócio por 81 MUSD, quando tinha no passado chegado a 4,000 MUSD em receitas. Takeaway: há que evitar que um acionista possa impor a sua vontade sobre os restantes em especial se isso não for no melhor interesse da Família e da preservação do controlo do negócio nas suas mãos. Alfred destruiu o Grupo.

Sears (EUA)

Sears, Roebuck & Co., fundada por Richard Sears e Alvah Roebuck em 1892, começou como um negócio familiar e tornou-se num gigante do retalho norte-americano. Após décadas de grande sucesso, o grupo teve dificuldade em adaptar-se ao crescimento do e-commerce e de novos modelos de retalho discount. Ignorou estas tendências e não parou de investir no modelo clássico de grandes armazéns. Consequentemente, abriu falência em 2018. Takeaway: é essencial estar na linha da frente das tendências de indústria para saber como alavancar no modelo existente e para as acompanhar. O contrário, ignorar as tendências e não fazer qualquer esforço para as acompanhar, é mortal e foi o fim da Sears.

Onassis (Grécia)

A vida do magnata grego Aristotle Onassis, extrovertido e apaixonado pela exposição mediática, foi testemunhada pelo mundo inteiro que o transformou num ícone do seu tempo, muito ajudado pelos famosos romances com Maria Callas e Jacqueline Kennedy, viúva do Presidente JFK e com quem se casaria. Não obstante o brilho do estilo de vida, a sua vida foi marcada pela tragédia – o seu filho único morre num acidente aos 24 anos e Aristotle morre dois anos depois, sem ter tido tempo para preparar a sua única filha. A braços com a responsabilidade de gestão mas impreparada, Christina morre de depressão em 1988. Deixou a sua única filha Athina que tem levado uma vida separada da responsabilidade de gestão da herança. Takeaway: um caso emblemático de preparação da sucessão, certamente marcado pela tragédia mas também pela falta de visão do líder. Tinha de preprarar a filha como alternativa, com base numa relação paternal que lhe desse o equilíbrio emocional que lhe faltou e que, naturalmente, não tinha para passar depois à sua filha. Na realidade, Onassis não colocou a sucessão acima de gozar a vida. Tenho dito muitas vezes e este é um bom caso para o repetir: a sucessão não é uma prioridade do líder, é a principal prioridade.

Corolário

Ficam aqui oito casos que poderiam ser oitenta ou oitocentos, cada um com as suas características próprias e com implicações que procurei retirar que possam ser úteis para qualquer Grupo Familiar.

Para a maioria dos Grupos Familiares portugueses acredito que nenhuma destas lições será nova. Mais, muitos dirão que nunca estarão na situação que os possa colocar em risco de falências ou de perda involuntária de controlo como aconteceu nos casos aqui descritos. Mas há que ter a humildade de perceber que ninguém está livre de um problema sério em algum momento e dois casos portugueses de escala muito diferente mostram isso bem.

A Farfetch, ícone nacional, faliu esta semana devido a anos de má gestão. A importante processadora de fruta Desfruta faliu na semana a passada devido a uma “zanga de irmãos”. Em suma: Acionistas unidos e com domínio do contexto interno e externo do negócio é a base fundamental de preservação saudável de um Grupo Empresarial Familiar, não garante tudo mas é um princípio fundamental.

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

Quando a Família perde o controlo ou leva o negócio à ruína

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião