Quando as famílias numerosas controlam Grupos Empresariais

A maturidade e longevidade destes Grupos resulta num compromisso comum, numa sofisticação de governação e numa resiliência superiores - e exemplares.

Existe uma certa aura de fascínio a envolver os Grupos Empresarias Familiares apoiados numa base familiar numerosa. Porquê? Porque se admira que tenham conseguido atravessar tantas gerações mantendo o controlo do Grupo nas suas mãos e preservado a união e paz dentro da família – ou pelo menos uma forte imagem dessa harmonia para o exterior.

No fim de contas, a não ser que seja especulativo e esteja a gerir para vender, qualquer empresário que monte o seu negócio começa cedo a pensar como preparar os seus filhos para o sucederem. E pensa mais longe – em sensibilizá-los para uma visão de longo prazo que leve uma geração a cativar a seguinte e depois a outra a seguir… estabelecendo as condições para um Grupo Empresarial Familiar apostado em preservar por décadas o seu negócio familiar sempre em crescimento e valorização. É este o sonho de qualquer empresário fundador. E aqueles que conseguem de facto construir esse “império” merecem a inveja e o respeito dos que estão a começar ou dos que ficaram pelo caminho porque faliram, porque não conseguiram entusiasmar a descendência ou porque optaram por vender cedo.

A natureza e os atributos diferenciadores dos Grupos Empresariais que estão hoje nas mãos de famílias numerosas não tem merecido uma bibliografia decente: o que existe é escasso e disperso. Mas a sua importância como alvos de admiração merece que este artigo lhes seja dedicado procurando avaliar os fatores que lhes permitiram a preservação do negócio através de gerações, a forma como ultrapassaram adversidades a que ninguém está imune e o ADN próprio de cada caso recorrendo a casos selecionados nacionais e internacionais.

O que se entende por Grupos Empresariais de famílias numerosas

Considera-se em geral que um Grupo assenta numa família numerosa quando esta tem pelo menos 30 a 50 membros maiores de idade – e muitas vezes bem mais se se contar com as crianças. São todos acionistas ou membros com futuro direito a ações, excluindo por isso cônjuges ou membros que perderam o direito à posição, por venda, por expulsão devido a quebra de códigos ou por outra razão. Não são casos frequentes, mas em muito Países ocidentais há mais de dez Grupos Familiares por País que já vão pelo menos na 5ª geração.

Casos paradigmáticos selecionados em Portugal e no estrangeiro

No todo, as economias ocidentais apresentam seguramente dezenas, ou mesmo centenas, de casos que preenchem os requisitos da definição apresentada acima. Não podendo analisar todos ou sequer saber quem são, tomámos nove casos internacionais e seis nacionais para os quais temos acesso a informação suficiente.

Dos casos internacionais há um viés assumido para Grupos Empresariais familiares com posição nos trinta mais valiosos do Mundo, de acordo com o Family Business Index 500 da Universidade de St Gallen com a EY e foi nesse tier superior que fizemos a seleção:

  • O primeiro é a Família Walton, que controla 45% do Grupo fundado pelos irmãos Sam e Bud Walton e hoje na mão de sete herdeiros. É de longe o Grupo Familiar que controla a maior fortuna a nível mundial – as ações de todos os membros ultrapassa largamente a fortuna de Bernard Hinaut, que tem família mas não distribuiu ações.
  • Seguem-se duas famílias alemãs – a família Quandt, fundada há mais de cem anos por Emil Quandt e hoje na 5ª geração com os irmãos Stefan e Susanne, tem um portfolio que inclui o controlo da BMW, da Heel e da Logwin; e a família Flick, que está na 5ª geração, liderada por quatro jovens de dois casamentos diferentes do antecessor Friedrich Karl Flick com participações geridas em várias “family offices” sob grande secretismo.
  • O quarto caso é a família Agnelli cuja liderança se posiciona entre a 4ª e a 5ª gerações – Margherita, a filha única do lendário Gianni Agnelli, e o seu filho John Elkann que lidera a holding familiar EXOR onde domina a Fiat Chrysler e o maior grupo de media italiano GEDI, adquirido a outra família famosa os De Benedetti.
  • Em quinto lugar temos a família Ford que mantém o controlo do grupo automóvel homónimo e está sob controlo da geração, com elementos desta e da anterior, presentes no Conselho de Família.
  • Em sexto lugar surge a família Cargill McMillan, que controla o famoso grupo Cargill e conta com 100 membros ativos na família.
  • Em sétimo e oitavo, temos as duas maiores fortunas familiares indianas: A pouco conhecida família Aditya Byrkla que controla grandes empresas indianas em seis setores e está nas mãos da 7ª geração; E a conhecida Tata, assente em setores como automóvel, aço e outros, ainda nas mãos da geração – o carismático Tatan Rata passou o cetro executivo a Natarajan Chandrasekaran, um profissional externo para se dedicar à complexa gestão de interesses dos diferentes ramos familiares.

No caso de Portugal, o acesso a informação da nossa parte é naturalmentre mais fácil e selecionámos seis casos, que não deixam lugar a surpresa e que, por serem bem conhecidos, me abstenho de descrever em tanto detalhe:

  • Família José de Mello
  • Família Guedes (Quinta da Aveleda)
  • Família Symington
  • Família Soares de Pinho
  • Família Vasconcelos da Mota
  • Família Teixeira Duarte

Trata-se de famílias que cumprem os critérios apresentados acima, estando entre a 4ª e a 7ª gerações e com modelos de negócio muito distintos – desde o foco no crescimento e valorização do portfólio no mesmo setor desde sempre até irmãos que optaram por criar com sucesso riqueza em setores muito distintos.

Atributos distintivos comuns aos Grupos Empresariais estudados

Dentre os exemplos que estudei e que descrevo mais adiante, há naturalmente uma série de pilares sobre os quais assenta qualquer destes Grupos de famílias numerosas:

  • Estabilidade, compromisso e visão de longo prazo;
  • Consciência de preservação do legado, do ethos e dos valores distintivos da Família nos quais se destacam a união e a transparência de relação entre os seus membros, essencial à perenidade dos interesses da família no seu Grupo Empresarial;
  • Dimensão e muitas vezes heterogeneidade da base familiar envolvida na supervisão do negócio, o que é passível de aportar perspetivas e soluções inovadoras com valor;
  • Modelo de governança acionista sólido assente num Protocolo detalhado e aceite por todos, um Conselho de Família e muitas vezes em separado um Conselho de Acionistas;
  • Mecanismos de transação de ações claros, rigorosos e facilitadores de saídas – ou porque o Grupo está cotado ou porque há soluções para a transação interna;
  • Autonomia da equipa de gestão de topo – delegação do órgão de gestão acionista num conselho de administração de sua confiança ou integração de membros da Família no conselho de administração e por sua vez delegação deste numa comissão executiva que lhe reporta mantendo total autonomia em matéria executivas;
  • Modelo de gestão da próxima geração estabelecido e gerido pelo líder;
  • Modelo de sucessão baseado em critérios rigorosos na escolha e na transição – o sucessor na liderança da família é sempre um membro da família, mas na liderança executiva do Grupo Empresarial muitas vezes não é.

O modelo de sucessão nos Grupos Empresariais de famílias numerosas

O Modelo de sucessão para a liderança executiva merece um destaque particular: é melhor um membro da família ou um profissional externo? A Harvard Business Review destaca que, qualquer que seja a opção, “as grandes empresas familiares têm muito melhores práticas de sucessão do que as grandes não-familiares” o que é notável.

Esta observação decorre de um estudo onde se comprova que os processos de sucessão dos Grupos Familiares são conduzidos com escrutínio mais apertado dos candidatos e oferecem uma motivação maior com a liberdade implícita na visão de gestão a longo prazo. Assim em geral, seja escolhido um candidato interno ou externo há confiança de que será a melhor escolha. Se for um profissional externo, será alguém de alta craveira que a família entende possuir superior competência técnica, mas também uma comunhão e química profundas com os principais membros da família e o ethos, os valores e a visão de longo prazo para o Grupo Empresarial.

Verificamos, por isso, sem surpresa que é frequente a escolha do CEO recair sobre um profissional externo – são disso exemplo os casos da BMW, da VW / Porsche, da Flick, da Bosch (família Bosch), o famoso Sergio Marchionne que liderou a Fiat Chrysler (EXOR, Família Agnelli) durante décadas até à sua morte, da Ford ou de tantos outros.

Mas também pode ser um membro da Família o escolhido – acontece na Flick com os gémeos da 5ª geração, na Fiat Chrysler com a escolha de John Elkann, assim como na família Walton. E acontece na generalidade dos casos portugueses: as famílias Mello, Guedes (Aveleda), Symington, Vasconcelos da Mota ou Teixeira Duarte. A Família de Arlindo Soares de Pinho é igualmente numerosa e embora a 2ª geração se tenha separado para desenvolver negócios autónomos, todos ocupam a liderança executiva das suas empresas – no caso da Arsopi essa liderança está já com Jorge Leite de Pinho da 3ªa geração.

A capacidade de ultrapassar desafios

A história da maior parte destas famílias tem episódios complicados, mas que foram ultrapassados com resiliência, não sem por vezes deixar marcas.

É o caso das alemãs Quandt, que controla a BMW, e Flick, que teve um império em carvão e aço e tem hoje uma quota importante na Daimler Benz. Ambas tiveram origens ligadas ao movimento nazi e ao seu esforço de guerra em 1939-44, mas conseguiram “flutuar” e tornar-se das famílias mais ricas da Alemanha, mesmo recusando-se a aceitar qualquer papel no holocausto e nunca o condenando sequer, merecendo por isso muitas reservas no seu País.

A Ford viveu momentos muito difíceis sob a liderança do neto do fundador, Henry Ford, prematuramente lançado no lugar pela morte súbita do pai Edsel.

Qualquer uma das duas famílias indianas sofreram, a ainda sofrem, batalhas internas de diferentes ramos por poder devido em larga medida a dificuldades de decisão dos líderes, mas isso não tem posto em causa o desenvolvimento rentável dos dois Grupos em qualquer dos casos.

Em Portugal, a Família Teixeira Duarte atravessou décadas de perda de valor, mas só recentemente substituiu o seu líder, em ambos os casos membros da família. A família Guedes sofreu uma cisão que deu lugar à Sogrape, hoje liderada por Fernando Guedes. Na família Pinho é bem conhecido o desentendimento entre o fundador e o seu primogénito Álvaro da Costa Leite, que o levou a sair da empresa do Pai e fundar a Vicaima e o Finibanco. Finalmente, a Mota Engil enfrentou muitos desafios, mas o mais sério foi a alta alavancagem da holding familiar devido ao capital exigido pelo crescimento do Grupo e que colocou em risco a preservação de controlo do capital pela Família. A solução veio da China com a brilhante operação de venda duma posição relevante no capital do Grupo à empresa estatal chinesa China Communications Construction Company.

Que lições práticas podemos retirar dos Grupos Empresariais com famílias numerosas?

Fruto da maturidade e longevidade destes Grupos, o modelo de governação acionista e societária foi sendo aperfeiçoado ao longo dos anos, não sem que tenha havido percalços, mas que serviram sobretudo para uma aprendizagem coletiva e um ganho de solidez do modelo.

Hoje, os vários Grupos apresentados possuem melhores práticas robustas de governação e gestão das quais grupos empresariais menores e mais jovens podem tirar lições importantes, incorporando em particular os vários atributos distintivos destes Grupos mais experimentados. Da sofisticação do modelo de sucessão ou da capacidade de ultrapassar desafios que muitos não conseguiriam vencer podem igualmente retirar-se importantes ensinamentos para qualquer grupo empresarial apostado em reforçar as condições de harmonia acionista e familiar e de preservação do crescimento e da valorização do negócio a longo prazo.

Em síntese, estamos como no Vinho do Porto – quanto mais antigo melhor.

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