Quando os impostos são a arma do povo
Um dos erros da gestão pública é acreditar que se pode alcançar resultados baseados em políticos "super-heróis". Serviços de qualidade exigem pôr o cidadão-consumidor no centro da decisão política.
Há um problema na gestão autárquica: o cidadão não está no centro das decisões. Isto gera um crescente distanciamento entre o executivo camarário e os munícipes, o que, em casos extremos, favorece o abuso de poder e o desperdício de recursos. Como garantir que cada família é ouvida? Como colocar o cidadão no centro da acção política local? Como garantir que não há desperdício financeiro? Embora o voto seja celebrado como “a arma do povo”, após as eleições ficamos desarmados.
No Japão, o programa Furusato Nozei coloca os municípios a competirem uns com os outros. Não competem apenas por terem mais ou menos cidadãos a residir, competem pelas receitas e por serviços. Esta é uma ideia genial, pois alinha incentivos para a mudança pública. Na terra do Sol Nascente, é possível utilizar o IRS para fazer despesas numa “loja” com produtos a favor de cada município. Cada contribuinte pode “comprar” um projeto político ou apenas ter acesso a produtos regionais. Note-se que não se está a lançar novos impostos, mas sim a permitir que um contribuinte invista, com base no seu IRS, numa outra autarquia, um pouco como fazemos com as instituições de solidariedade social. Escolhemos uma e damos parte do nosso IRS a uma organização que protege doentes, apoia a educação, ou outras causas que nos são queridas. No Japão pode-se escolher um projecto municipal a nosso gosto, habitualmente para combater a ruralidade, e direcionar parte da receita fiscal.
Esta alteração já era boa. Mas creio que podemos fazer ainda melhor e, com uma reforma das finanças locais, promover uma melhor provisão de serviços públicos.
A ideia é simples de explicar: As receitas dos municípios são definidas com base num valor per capita. O meu vizinho pode ganhar mais do que eu, mas ambos contamos o mesmo para a receita de cada autarquia. Pois bem, cada um de nós deveria poder “dividir” o seu município entre o local de residência e o local para o qual deseja contribuir. Cada lisboeta poderia dizer que é 80% de Lisboa e 20% da Amadora, ou 20% de Viseu, Torres Novas, Viana do Alentejo, Chaves, São Brás de Alportel, ou Ribeira Grande.
Desta forma, 20% do rendimento municipal poderia ser transferido para qualquer concelho, sem necessidade de justificação. Por exemplo, eu gosto muito de Lisboa, mas choca-me que se esteja a construir um parque turístico, sem se apostar numa rede de transporte para os municípios vizinhos. Se a Amadora anunciasse que iria promover um comboio ou elétrico para o centro da capital, eu facilmente registaria os meus 20% para a Amadora. O mesmo acontece com um munícipe que veio de Viseu para o Porto. Por que motivo os seus impostos contribuem mais para a grande cidade do Norte e menos para a sua terra natal que precisa de dinheiro para o atrair de volta? Note-se a magia desta ideia: todos os municípios teriam de justificar o porquê de merecerem os 20%. Lisboa competiria com a Amadora, e o Porto com Viseu. Aliás todos os municípios competiriam uns com todos.
Esta concorrência obrigaria a uma maior transparência nas contas e a resultados públicos. Criaria uma ligação mais estreita entre o munícipe e o município. Mesmo que ninguém quisesse efetivamente transferir esses 20%, a simples possibilidade de o poder fazer constituiria uma pressão no bom sentido. Sempre que o serviço público fosse ineficiente, ou que o serviço de outro concelho fosse merecedor de maior de confiança, 20% da receita poderia mudar. Todos seriam agentes de mudança.
O desdobramento per capita é fundamental, já que não estamos a dar mais poder a quem paga mais IRS. Todos os munícipes teriam o mesmo valor, e não teríamos um esquema desenvolvido para os mais ricos.
Evidentemente, teriam de existir fundos de estabilização para garantir que nenhum município perdesse receitas de forma abrupta e sem aviso. Mas esses são detalhes que já estão previstos na actual lei e poderiam ser, eventualmente, ajustados.
Um dos grandes erros da gestão pública é acreditar que se pode alcançar resultados baseados em políticos “super-heróis”, acreditando que se “aquela” pessoa estivesse naquele lugar, naquela hora precisa, tudo correria melhor. Outras acham que é uma melhor lei ou regulamento que faz a diferença. Evidentemente que a liderança e qualidade legislativa são importantes na gestão das organizações. Porém, para termos serviços públicos de qualidade, a solução é colocar o cidadão-consumidor no centro da ação política e fazer com que a administração pública concorra consigo mesma para o satisfazer.
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