Que investimento público para Portugal?

Os grandes defensores do investimento público foram os que mais cortaram nesta área da despesa pública. Mas não creio que Portugal precise de um valor muito acima dos 2% PIB.

Os números do investimento

Esta semana, com os dados da execução orçamental de agosto em contabilidade pública, constatámos que mais uma vez o governo promete muito em termos de investimento público, mas cumpre muito pouco. Já tinha sido assim em 2016 e em 2017.

No OE/2016, prometeu para esse ano um investimento (FBCF, isto é Formação Bruta de Capital Fixo) de 3.7 mil M€ (2% PIB). O número era dececionante, dado que a FBCF em 2015 tinha sido de quatro mil M€ (2.3% PIB). Mas a execução de 2016 foi ainda mais dececionante para aqueles que defendem que é preciso mais investimento público (já irão ver que não é exatamente o meu caso). Em 2016, o investimento público ficou em 1.5% PIB. Isto é, cerca de 2.8 mil M€. Quase mil M€ abaixo do orçamentado. Basta este valor (mesmo considerando que 30%-40% seria compensado do lado da receita por via dos fundos comunitários), o aumento das cativações (mais 0.2% PIB que no ano anterior) e os “one-offs” de 2016 (cerca de 0.5% PIB), para ver como o OE/2016 inicial tinha um défice acima dos 3%. Foi preciso muita “ginástica” orçamental para chegar a 2%.

Depois, o OE/2017 prometeu para esse ano uma grande recuperação do investimento. Previa uma FBCF de 2.2% PIB (qualquer coisa como quatro mil M€). Isso teria colocado o investimento no nível de 2015. Só que a execução de 2017 voltou a ser uma farsa. O investimento ficou em 1.7% PIB (cerca de 3.2 mil M€). Mais uma vez, uma diferença de quase mil M€. E se considerarmos que as autarquias gastaram mais 400 M€ de investimento (por coincidência em ano de eleições locais), temos que na administração central o investimento em 2017 ficou abaixo de 2016.

Agora, para 2018, o OE previa, mais uma vez, um crescimento fantástico do investimento. Seriam mais 0.6 p.p. do PIB. Para 2018 teríamos um investimento de 2.3% PIB, face aos 1.7% de 2017. Seriam 4.5 mil M€ (mais 1.3 mil M€ que em 2017). Um crescimento de 30%.

Só que os números de agosto mostram que o investimento está a crescer em torno de 5%. Em contas nacionais, no 1º semestre, executou-se investimento no valor de cerca de 1.5 mil M€. Ou seja, a este ritmo teremos uma execução de 3 mil M€ (cerca de 1.5% PIB). Claro que a execução pode acelerar um pouco no final do ano. Mas o investimento público vai voltar a ficar abaixo dos 2%.

Não deixa de ser curioso que os grandes defensores do investimento público e dos efeitos dos multiplicadores, sejam aqueles que em período de bonança económica e de “dividendo orçamental” do BCE (dois mil M€, entre menos 1.2 mil M€ de juros e mais 700-800 M€/ano de dividendos e IRC do Banco de Portugal), foram os que mais cortaram no investimento público.

Não admira. A política orçamental dos últimos quatro anos foi feita exclusivamente a pensar nas eleições, fossem elas em 2019, fossem elas antecipadas. E o OE/2019 será o culminar dessa estratégia que visa exclusivamente o poder pelo poder.

O tweet do Planeamento

Entre os utilizadores portugueses da rede social Twitter já é famosa a conta oficial do Ministério do Planeamento. Famosa pelos disparates inarráveis que vai produzindo. Aflige até os socialistas mais ferrenhos. Mas, na semana passada essa conta teve um tweet que ultrapassa tudo o que é razoável. O tweet dizia: “A suspensão do Novo Aeroporto de Lisboa, em 2011, pareceu uma boa ideia a muita gente. Prevaleceu, então, uma visão pouco ambiciosa e pessimista do País, que levou a que nada se fizesse, nada se preparasse”.

Parece que o ministro Pedro Marques disse isto. Ora, isto tem cinco problemas que ditos por um ministro são graves.

  1. Esta afirmação é mentira. O aeroporto de Alcochete foi cancelado em 7 de maio de 2010, em pleno governo Sócrates. E é preciso recordar que esse governo tinha primeiro defendido a péssima opção da OTA (de forma acérrima e insultando todos os que criticavam essa opção, como era timbre daquele governo). Teria sido um desastre financeiro, operacional e económico. Mas também é preciso recordar que desde 2007-2008 muita gente já criticava a opção por obras faraónicas, como o novo aeroporto e o TGV.
  2. É preciso muita falta de vergonha para ignorar a situação do país em 2011. Não se fez novo aeroporto porque desde 2007 que as condições financeiras de Portugal tornaram impossível qualquer projeto dessa natureza. Fosse desenvolvido pelo setor público ou pelo privado.
  3. Durante muito tempo, sobretudo no início da 1ª década do século, ouvimos muitos dizer que a capacidade da Portela se esgotaria rapidamente. Isto numa altura em que o turismo em Lisboa era menos de metade do que é hoje. E num contexto em que as ‘low-cost’ ainda eram algo incipiente. Que o limite estaria nos 15-16 milhões passageiros. Está provado que a Portela pode perfeitamente ir aos 30-35 milhões passageiros (está em torno dos 25 milhões).
  4. Um governo que em período de alguma bonança e algumas “vacas gordas”, corta o investimento público para os níveis mais baixos de sempre, não tem moral para falar de opções anteriores.
  5. Estando o governo em funções há três anos, a verdade é que ainda nem sequer a decisão do Montijo está fechada. Em que estudos se baseou essa decisão? Esses estudos vão ser tornados públicos? Como será revista a concessão da ANA face ao novo aeroporto? Quando se prevê a abertura do aeroporto no Montijo? Que compensações foram atribuídas à Força Aérea e onde vai esta desempenhar as funções que atualmente se situam no Montijo? Pior, ainda nem sequer se sabe para onde irá a Força Aérea. Que companhias aéreas vão para o Montijo?

Que nível de investimento precisa Portugal?

Mas, então, que nível de investimento pública precisa Portugal nos próximos anos. Não creio que precise de um valor muito acima dos 2% PIB. O investimento público serve, em termos gerais, para três grandes áreas:

  1. Para natural depreciação dos ativos (sobretudo os de vida útil mais limitada – equipamento informático (sendo que na parte informática há naturalmente upgrades e melhorias tecnológicas – incluindo softwares), de escritório, maquinaria, equipamento hospitalar, etc.).
  2. Para as grandes reparações de infraestruturas pesadas (normalmente a cada 10-15 anos de vida da infraestrutura).
  3. Para novas infraestruturas.

A falta de um Balanço do Estado e de informação financeira e contabilística com detalhe impede que se quantifique a 1ª e a 2ª área. Mas na 3ª área, precisamos de muitas novas infraestruturas? Há alguma área que o país não esteja bem servido de infraestruturas? A resposta geral é que não precisamos de muitas novas infraestruturas. Em regra, Portugal está razoavelmente bem servido de infraestruturas. O problema da nossa competitividade não é o “hardware”, é o “software” (gestão privada e pública, nível de formação e competências, custos de contexto, justiça, instabilidade fiscal, etc.).

Senão, vejamos. Nos transportes, Portugal tem a 2ª maior rede de autoestradas. Muitas delas com pouco tráfego. Em termos de estradas, há que requalificar o IP3 e obviamente haverá pequenas intervenções de novas/melhoria de algumas estradas nacionais. Mas nada de vulto. No setor aeroportuário, há que resolver o problema de Lisboa, sendo que estando os aeroportos concessionados, a resposta passa sobretudo pelo privado. Nos portos, que na sua maioria também estão concessionados, a resposta de ampliação e melhorias necessárias passará sobretudo pelo privado. A ferrovia precisa de um forte investimento em quatro eixos:

  • Uma ligação de mercadorias (rápida, barata e eficiente) entre o eixo Aveiro-Braga e a Europa bem como entre o eixo Lisboa-Sines e a Europa. Estes 2 eixos potenciam as exportações nacionais. E depois outros 2 eixos.
  • Faro-Lisboa-Porto-Braga, melhorando a ligação do litoral.
  • E o ultimo eixo, melhorar as ligações ao nível do intercidades e do regional. E é preciso melhorar os transportes urbanos da região de Lisboa e Porto, bem como os de cidades de média dimensão como Braga, Coimbra, Faro, etc. Estas duas áreas são as que precisam de algum investimento público adicional.

Nas outras áreas, também não vislumbro grandes necessidades de investimentos públicos. O setor da água e saneamento tem hoje uma cobertura quase de 100% do território nacional e com uma qualidade de água de torneira de top mundial. A habitação social foi uma grande aposta dos anos 90, quase eliminando o fenómeno das barracas nas áreas metropolitanas. A reabilitação urbana está a ser feita por privados (com benefícios fiscais).

Na educação, haverá seguramente escolas a precisar de obras ou de serem substituídas, mas em regra, o parque escolar é de razoável qualidade. Na cultura, haverá a necessidade de ir melhorando alguns equipamentos e recuperando património histórico. A Administração Interna e a Justiça precisarão também de melhorar as esquadras, quartéis e tribunais. Mas nenhuma destas áreas precisa de elevados investimentos públicos.

A energia está concessionada (quer a produção, quer a distribuição), pelo que os investimentos nessa área serão privados. As telecomunicações foram privatizadas há mais de duas décadas.

Precisamos de algum investimento público na Defesa. Sobretudo ao nível da Marinha (especialmente com o alargamento a zona económica exclusiva), mas também na substituição de algum material do Exército e da Força Aérea.

Na Saúde, é preciso alguns hospitais que substituam infraestruturas antigas (Lisboa e Madeira, entre outros casos). Há alguma necessidade de equipamentos médicos (alguns com custo elevado). A boa experiência das PPPs na Saúde aconselha a usar este modelo de contratação. Os problemas na Saúde resultam muito mais de má gestão e falta de meios humanos e materiais que de problemas de instalações.

Por último, no ensino superior e na Ciência há que reforçar um pouco o investimento. Mas fazê-lo direcionando para a economia real e para as empresas. Usando esse investimento para fomentar a inovação empresarial e o aumento do PIB potencial.

Em síntese, precisamos de um pouco mais de investimento público na ferrovia, transportes urbanos, saúde, defesa e ciência. Não precisamos de obras megalómanas e faraónicas de TGV e coisas assim. Podemos viver com 2% PIB em investimento público, se este for bem orientado e assentar num planeamento estratégico de médio e longo prazo. Gastar dinheiro público só por gastar, achando que vai ter um efeito multiplicador é ignorar as últimas duas décadas, bem como a atual realidade do país.

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