Editorial

Quem tem medo da reforma das Finanças Públicas?

Uma auditoria do Tribunal de Contas mostra que os três ministros das Finanças do Governo de Costa pouco ou nada fizeram pela qualidade da despesa pública. Contas certas?

Os governos do PS nos últimos oito anos levaram o défice a excedente e a dívida pública para um valor inferior a 100% do PIB, resultados relevantes e com efeito direto no bolso dos contribuintes (medido pelos juros que a República paga pelo seu financiamento), e assim nasceram as “contas certas”. Mas há uma diferença enorme entre “contas certas” e “contas boas”, essas sim muito necessárias para garantir que o Estado está a fazer as opções corretas, a gerir de forma eficiente a o dinheiro público.

A auditoria do Tribunal de Contas à qualidade da despesa pública em Portugal entre os anos de 2016 e 2023 — e ao que (não) foi feito para corrigir os muitos problemas identificados — é daquelas que não vai dar manchete de jornais. Qualidade da despesa é daquelas expressões que diz pouco, embora traduza muito.

O que é que está em causa? “A revisão da despesa consiste num escrutínio detalhado, coordenado e sistemático da despesa base do Estado, com o objetivo de identificar poupanças decorrentes de melhorias na eficiência e oportunidades para reduzir ou redirecionar despesa pública não prioritária, ineficiente ou ineficaz”, define a instituição liderada por José Tavares. Ora, nestes anos, pouco ou nada foi feito.

Em 2016, até foi criado um grupo de trabalho, que ficou na dependência direta do então ministro das Finanças, Mário Centeno, que foi responsável pela coordenação do exercício de revisão da despesa pública até 2020. Porém, “não foi fornecida documentação significativa sobre a atividade do grupo de trabalho, o que implicou que a prova de auditoria recolhida sobre a sua ação tenha sido, essencialmente, de natureza testemunhal”, critica o TdC. “Não foram definidos montantes de poupanças anuais a atingir, nem calendários precisos, quer para entrega de propostas para as opções de política a implementar, quer para a respetiva concretização”, acrescenta. Nos mandatos de João Leão e de Fernando Medina, nem grupos de trabalho foram criados, nem que fosse só para ter mais informação sobre a forma como a despesa pública é executada.

Quais foram as explicações dos três ministros? Nenhuma. Centeno e João Leão, que por sinal vai para o Tribunal de Contas Europeu, nem sequer responderam à auditoria no chamado “contraditório”.

Basicamente, o Estado é gerido como uma mercearia, e o ajustamento faz-se, depois, com cativações ou vetos de gaveta, com a deterioração do stock de capital público, ou quando a inflação ajuda a receita fiscal (e asfixia os contribuintes).

O atual ministro das Finanças tem uma particular responsabilidade nesta matéria. Ao longo dos anos, foi escrevendo no ECO sobre a reforma das Finanças Públicas e sobre a urgência de mudar práticas, transparência e orçamentação. Num artigo em junho de 2020 (pode ler aqui), Miranda Sarmento é particularmente crítico de João Leão, o secretário de Estado das cativações que passou depois a ministro das Finanças.

Nesse artigo, fica uma espécie de guia do que deveria ser feito na reforma das Finanças Públicas. “Como tenho repetido frequentemente: a reforma dos serviços públicos começa com a reforma das Finanças Públicas. Não é possível reformar o Estado sem primeiro reformar o Terreiro do Paço“, escreveu o ministro num artigo com o título “Quem tem medo da reforma das Finanças Públicas?”.

A reforma das finanças públicas implica desde logo que o ministro das Finanças descentralize poder de decisão, que dê autonomia aos outros ministros, que promova a transparência na afetação dos recursos públicos. Sarmento tem agora de ser consequente com esta visão.

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