Guterres está no meio de uma ponte com as duas saídas em chamas. É o resultado da aplicação de uma “equivalência moral” entre acções extremas do lado israelita e acções extremas dos palestinianos.

A diplomacia é a arte do impossível. A diplomacia é a ciência do imprevisto. A diplomacia é o convívio com a contingência. Em conclusão, o secretário-geral da ONU não é um diplomata porque confunde diplomacia com “paternalismo moralista”. A diplomacia do penso-rápido entre duas explosões. A diplomacia exige quase sempre o “realismo trágico” que permite inventar soluções políticas para problemas intratáveis como o do Médio Oriente. Mesmo quando os problemas persistem como intratáveis, o que é o caso do conflito entre Israel e Palestinianos.

O problema não é novo. A postura do secretário-geral tem como eixo central uma espécie de “activismo humanitário” que resume a ONU a uma agência assistencialista em zonas de catástrofe política. Esta limitação retira à ONU um papel mais activo na intervenção política em cenários de crise. É o assistencialismo sem alcance político.

É verdade que a ordem internacional está a deslaçar-se perante os olhos e os medos do Ocidente e do Médio Oriente. Mas mesmo nesta confluência caótica, e sublinho o “mas”, as Nações Unidas representam o último reduto para o diálogo e para a concertação. Transformar a ONU numa “agência humanitária” é negar a sua dimensão política. Transformar a ONU numa “agência humanitária” é abandonar o Mundo ao diálogo da força e à força da violência.

A ONU fala para todo o Mundo. A ONU é uma organização multilateral. A ONU é a última esperança de Civilização e de Humanidade para todos em todas as frentes em todas as latitudes. Quando o Secretário-Geral esteve no lado egípcio da fronteira de Rafah, os palestinianos rodearam o carro do Secretário-Geral gritando em pleno deserto “onde está a ONU na devastação da Faixa de Gaza?”. A pergunta é política e a resposta que se exige é política.

A ideia de imparcialidade do secretário-geral da ONU funciona do seguinte modo. Primeiro, distancia-se da posição extrema de Israel. Depois, distancia-se da posição extrema do Hamas. Pensa o secretário-geral que a imposição de um “cordão sanitário” aos extremos resulta na moderação política e na imparcialidade da ONU. Não pode existir maior equívoco e maior contributo para a anulação do papel das Nações Unidas.

Carlos Marques de Almeida

Quando o secretário-geral da ONU junto aos portões de Rafah faz um discurso a apelar para a abertura da fronteira para permitir a entrada da “ajuda humanitária”, não existe uma palavra sobre os reféns israelitas dispersos pela cidade subterrânea em que o Hamas transformou Gaza. Ausente a dimensão humanitária, a omissão é política e a resposta que se exige é política.

Impulsionado pela burocracia e pelas “boas intenções” e pelas “platitudes piedosas”, o secretário-geral consegue que a ONU perca a confiança dos palestinianos e perca a confiança dos israelitas. Precisamente quando a confiança num interlocutor imparcial é o maior activo político que o momento trágico no Médio Oriente precisa. A política é construir uma visão. A diplomacia é concretizar essa visão.

A ideia de imparcialidade do secretário-geral da ONU funciona do seguinte modo. Primeiro, distancia-se da posição extrema de Israel. Depois, distancia-se da posição extrema do Hamas. Pensa o secretário-geral que a imposição de um “cordão sanitário” aos extremos resulta na moderação política e na imparcialidade da ONU. Não pode existir maior equívoco e maior contributo para a anulação do papel das Nações Unidas. É uma interpretação ingénua da política e uma política humanitária que contribui ainda mais para o conflito. A diplomacia da “soma nula” acaba por ser a negação da política, a perpetuação do conflito, a morte de qualquer esperança. A Palestina é um território cortado ao meio por um obus de artilharia. As duas metades continuam a viver para se poderem continuar a matar.

A imparcialidade na diplomacia exige que se converse com o Diabo ao mesmo tempo que se passeia com os Anjos. A imparcialidade e a confiança nascem desta capacidade para se contemplar o abismo dos dois lados e permanecer em diálogo com as duas possibilidades de aniquilação. É desta posição impossível que pode surgir uma resposta política para a infinidade de um conflito intratável.

Neste momento, o secretário-geral está no meio de uma ponte com as duas saídas em chamas. Este é o resultado da aplicação de uma “equivalência moral” entre acções extremas do lado israelita e acções extremas do lado palestiniano. Dar lições de História aos intervenientes da História é de uma “arrogância moral” inconcebível quando os cadáveres permanecem nos kibutzes e os mortos se confundem com as ruínas nas ruas de Gaza.

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