Regulados até às orelhas

Enquanto o foco for a regulação, a União Europeia estará " a conduzir a Europa para a irrelevância", como alertou há algumas semanas o CEO da Ericsson.

Se há algo em que a União Europeia é líder incontestada é na regulação. Tirando algumas exceções, como os impostos ou a política de defesa, onde tem competências muito limitadas, pouco existe que não se reja por regras emanadas pela tecnocracia comunitária.

O bloco somou esta semana a esse vastíssimo acervo a primeira peça legislativa alargada da inteligência artificial do mundo, com a aprovação do Artificial Inteligence Act pelo Conselho Europeu.

A regulação tem várias vantagens. Traz segurança jurídica, reforça a confiança dos agentes económicos, garante proteção aos consumidores, cria transparência e promove a integridade dos mercados. Sem ela, não teríamos algo tão crítico para a UE como um mercado único europeu funcional e vibrante.

É também importante para forçar transformações. Sem o incentivo da regulação as metas de descarbonização na UE não passariam de meras fantasias.

O problema é quando se vai longe demais. Em excesso, a regulação impõe custos muito significativos às empresas, limita o seu crescimento, funciona como uma barreira à entrada de novas empresas no mercado e limita a inovação.

É um paradoxo a UE ter tanta preocupação, e bem, com a defesa da concorrência, mas depois impor encargos regulatórios tão elevados que só empresas já instaladas e com escala os conseguem cumprir. Funciona, ao mesmo tempo, como uma forma de protecionismo, o que reduz o impulso para ser mais competitivo.

Por outro lado, num ambiente regulatório de grande complexidade, a segurança que é suposto assegurar pode transformar-se numa fonte de incerteza face ao arbítrio na aplicação de tão vasto conjunto de regras e regrinhas.

Nas últimas décadas, o que sobra em regulação tem faltado em capacidade de competir em inovação tecnológica com os Estados Unidos e, mais recentemente, com a China. A lista das empresas com maior valor bolsista do mundo é reveladora. As seis primeiras são todas americanas: Microsoft, Apple, NVIDIA, Alphabet, Amazon e Meta. Alargando ao top 10, os únicos “intrusos” são a TSMC, de Taiwan, e a chinesa Tencent.

Para encontrar empresas com sede em países da União Europeia é preciso abrir o critério. Na lista das 20 maiores há apenas duas: a neerlandesa ASML, uma das maiores fabricantes de microprocessadores, na 12.ª posição; e a empresa de software alemã SAP, na 17.ª.

A inteligência artificial generativa (IA generativa) coloca a Europa perante um desafio decisivo. A tecnologia terá, em poucos anos, um impacto decisivo na produtividade e competitividade das empresas, deixando para trás as que não conseguirem agarrar as oportunidades da mudança. Umas conseguirão criar ainda mais valor e riqueza, outras irão estagnar ou perecer.

Vai ter também um impacto significativo no mercado de trabalho, atirando um grande número de funções para a obsolescência, que poderão não ser compensadas por outras novas. O que terá implicações políticas consideráveis.

Com exceção da NVIDIA, as gigantes americanas que lideraram a revolução tecnológica dos últimos anos são também as que estão a criar a espinha dorsal da inteligência artificial generativa. Isso não significa que só elas têm mão nas oportunidades que se vão criar. Longe disso.

Ao contrário do que o enorme buzz à volta da IA generativa possa fazer crer, só há pouco mais de seis meses é que as ferramentas da nova tecnologia se tornaram globalmente acessíveis aos engenheiros de software. Como dizia o líder global da unidade de inteligência artificial da McKinsey, Alexander Sukharevsky, numa entrevista recente ao ECO, por enquanto, “estamos todos no mesmo plano”, pelo que “a corrida está aberta”. Até para países como Portugal.

Só que é preciso agarrar o momento. Para um bloco já atolado em regulação, ser pioneiro não é propriamente um bom cartão de visita para o investimento. É uma visão errada achar que se pode compensar o atraso na inovação e no desenvolvimento do negócio neste domínio com uma vanguarda regulatória.

A IA generativa precisa de regras que salvaguardem o seu uso ético, mas a União Europeia tende a ir longe demais na complexidade das regras, sufocando a inovação e o investimento. Críticas que já abundam em relação a mais este pacote.

O sucesso da União Europeia neste admirável mundo novo será determinante para a sobrevivência futura do bloco. Bruxelas tem de fazer uma avaliação exaustiva sobre as perdas económicas que estarão a resultar da sobrecarga regulatória e definir a inteligência artificial generativa como área de investimento prioritária. É o que estão a fazer países como a Arábia Saudita, que está a preparar um fundo de 40 mil milhões de dólares, ou os Emirados Árabes Unidos, que pretendem criar no país um hub de desenvolvimento de IA e planeiam elevados investimentos no setor.

Enquanto o foco for a regulação, a UE estará ” a conduzir a Europa para a irrelevância”, como alertou há algumas semanas o CEO da Ericsson.

Um tema importante para as Eleições Europeias que tem passado ao lado do debate.

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