
Renováveis prometem, mas nuclear garante
O nuclear está a ser reavaliado por muitos países como um pilar estratégico da transição energética — não por ser a solução perfeita, mas por ser, em muitos casos, a única fonte limpa e opção viável.
O Breakthrough Institute, um centro de investigação apoiado pela Fundação Gates, publicou recentemente um relatório que analisa o investimento necessário para tornar a energia nuclear economicamente viável. As conclusões são claras: mesmo com pressupostos otimistas, a energia nuclear revela-se uma tecnologia ultrapassada e sem capacidade de competir com as renováveis atuais. O estudo sugere que o nuclear já foi ultrapassado há anos e permanece economicamente estagnado em termos de viabilidade, apesar das décadas de tempo e investimento dedicados ao seu desenvolvimento.
O debate que suscita é frequentemente mais emocional do que racional, com os seus defensores vistos como inflexíveis e presos a uma visão antiquada. Embora figuras como Bill Gates continuem a apostar no nuclear como solução para reduzir emissões de carbono, o relatório sublinha que as suas fragilidades económicas são claras e incontornáveis. O estudo não diz que o nuclear é tecnicamente impossível, mas sim que não faz sentido económico nem estratégico no mundo atual, onde as renováveis já são mais baratas, mais rápidas de instalar e com melhores perspetivas de evolução. Aponta três fragilidades principais: custos elevados e pouca competitividade, evolução tecnológica lenta e dificuldades práticas de implementação. Por isso, considera que apostar no nuclear é insistir numa tecnologia ultrapassada, mesmo com boas intenções como a redução das emissões.
O estudo do Breakthrough Institute conclui que a energia nuclear é economicamente inviável. Mesmo com um investimento superior a um bilião de euros até 2050, o custo da eletricidade nuclear só desceria para 41 dólares por megawatt-hora (MWh) nos cenários mais otimistas — um valor que a energia solar já atinge hoje. A taxa de aprendizagem do nuclear é baixa (entre 4% e 12%), muito inferior à do solar (24%), o que limita a redução de custos. Tecnologias como o solar fotovoltaico e as baterias, embora ainda em desenvolvimento, já são mais baratas, escaláveis e eficientes. O nuclear é descrito como uma tecnologia ultrapassada e não competitiva. Assim, conclui que o nuclear é uma tecnologia do passado, cara, lenta a evoluir e incapaz de competir com as soluções energéticas modernas.
Mas será que é mesmo assim?
A energia nuclear tem, de facto, limitações sérias — custos de construção ainda muito elevados no caso das centrais convencionais, prazos longos, riscos de acidentes e resíduos de difícil gestão — mas continua a ser uma das poucas tecnologias não fósseis capazes de garantir produção elétrica contínua (baseload), 24 horas por dia, independentemente das condições climatéricas. É importante distinguir entre o custo de construir novas centrais e o custo de operar as que já estão em funcionamento. Nos EUA, em 2023, o custo médio total de geração de energia nuclear foi de 31,76 dólares por MWh, segundo o Nuclear Energy Institute — uma redução de quase 40% face a 2012, superando as metas da própria indústria para aumentar a eficiência e a competitividade. A cotação do urânio (yellowcake — óxido de urânio concentrado, U₃O₈, ainda não enriquecido) tem vindo a subir, situando-se atualmente em cerca de 70 dólares por libra (453 gramas), após ter triplicado nos últimos anos. Este combustível representa aproximadamente um terço do custo total de geração, ou seja, cerca de 10 dólares por MWh de eletricidade.
Num cenário de forte aceleração da procura energética global, impulsionada sobretudo pela cresceste urbanização e pela inteligência artificial, a produção elétrica mundial deverá aumentar cerca de 70% até 2050, de acordo com Najmedin Meshkati, uma voz influente nos debates sobre o futuro da energia nuclear, destacando tanto os riscos históricos como o potencial papel estratégico da tecnologia na transição energética.
Não é claro que as fontes renováveis (nomeadamente eólica e solar), por si só, consigam responder a essa procura, devido à sua intermitência e às limitações atuais no armazenamento de energia por longos períodos. As baterias estão a evoluir, mas continuam caras e pouco eficazes para armazenamento prolongado. As centrais a carvão e gás estão em declínio pelas emissões elevadas e instabilidade dos mercados, e a hídrica está fortemente condicionada pela geografia e não pode ser instalada em qualquer local.
Neste contexto, o nuclear está a ser reavaliado por muitos países como um pilar estratégico da transição energética — não por ser a solução perfeita, mas por ser, em muitos casos, a única fonte limpa e opção viável e estável capaz de garantir segurança de abastecimento. Tecnologias emergentes como os pequenos reatores modulares (SMRs), os reatores a sal fundido ou com combustível de tório prometem maior segurança, custos mais baixos e flexibilidade de instalação. No entanto, estas tecnologias ainda não estão maduras nem comprovadas comercialmente em larga escala. Por isso, o nuclear convencional continua a ser visto como tecnologia complementar, e não substituta, face às renováveis.
A China continua a apostar fortemente na energia nuclear, não porque seja a opção mais barata, mas porque responde a objetivos estratégicos muito específicos. O nuclear fornece estabilidade à rede elétrica, algo essencial num sistema ainda dependente do carvão e onde as renováveis, como a solar e a eólica, são intermitentes. Além disso, o nuclear ajuda a China a reduzir a dependência de importações de combustíveis fósseis e permite manter um elevado grau de controlo político e centralização — algo que encaixa bem com o seu modelo de governação, ao contrário das renováveis descentralizadas, que exigem mais participação pública e regulação transparente. A ausência de pressão democrática também facilita a construção de grandes projetos nucleares, sem os bloqueios legais ou ambientais comuns no Ocidente.
Outro fator importante é o armazenamento de energia, que continua a ser um desafio para as renováveis. As baterias atuais ainda não conseguem armazenar energia durante semanas ou estações inteiras, ou melhor, armazenar eletricidade por dias é viável, por semanas é caro, e por meses ou estações inteiras ainda não é tecnicamente ou economicamente competitivo com outras soluções. Assim, o nuclear funciona como uma “ponte” de estabilidade até que tecnologias de armazenamento de longa duração estejam mais maduras. Quanto ao tório, é uma opção tecnicamente interessante — mais abundante que o urânio, com menos resíduos e maior segurança potencial — mas ainda está em fase experimental. A China tem um projeto piloto, mas está longe de se traduzir em produção comercial.
Já os SMRs são vistos como uma das promessas mais realistas para o futuro do nuclear. Oferecem custos iniciais mais baixos, produção em série em fábricas, instalação mais simples e maior segurança. No entanto, nenhum SMR está ainda em operação comercial plena, e os custos estimados continuam elevados — entre 100 e 200 dólares/MWh. Muitos projetos dependem ainda de financiamento público ou militar, e mesmo na China, onde há interesse, ainda não se provaram economicamente viáveis em grande escala.
Em suma, a aposta chinesa no nuclear é sobretudo estratégica: visa garantir soberania energética, estabilidade da rede e controlo político. As tecnologias emergentes como o tório ou os SMRs são promissoras, mas continuam num estado inicial de desenvolvimento. O nuclear, na China, é uma peça complementar numa estratégia híbrida, ao lado das renováveis — e não um substituto direto.
Fora da China, outras figuras influentes também continuam a apostar na energia nuclear como resposta estratégica ao crescimento da procura energética. É o caso de Bill Gates, que defende o nuclear como essencial para responder ao aumento da procura elétrica nos EUA, impulsionada principalmente pelos data centers para a inteligência artificial, pelo crescente número de veículos elétricos (VE) e pela eletrificação das habitações, incluindo sobretudo o uso de bombas de calor e o carregamento doméstico de VE. Através da sua empresa TerraPower, está a construir uma central inovadora em Wyoming, mais segura e barata que as tradicionais, usando sódio em vez de água para arrefecer o reator. É uma central nuclear com tecnologia de última geração. O investimento é privado, com apoio parcial do governo, e visa atrair investidores estratégicos, especialmente de países como o Japão e a Coreia do Sul, onde as renováveis são limitadas por condições naturais, desde o relevo complexo ao tempo nublado e aos constantes humores do vento — ora fraco, ora demasiadamente forte. Bill Gates vê a energia nuclear como chave para garantir eletricidade limpa e estável num futuro tecnológico.
Em jeito de conclusão, uma boa fonte de baseload deve ser fiável, funcionar 24 horas por dia, independente das condições climatéricas, capaz de produzir energia de forma contínua e em larga escala, com baixas ou nulas emissões de carbono e sustentável a longo prazo. Atualmente, a energia nuclear continua a ser a melhor fonte limpa e estável para garantir esse fornecimento contínuo. Tecnologias como os SMRs e os reatores a tório poderão reforçar esse papel no futuro. Ainda assim, espera-se que, com o avanço do armazenamento inteligente, as energias renováveis acabem por assumir um dia essa função de forma mais económica, segura e flexível, mas esse cenário ainda está distante.
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