Resíduos ao serviço da economia

  • Ana Isabel Trigo Morais
  • 27 Março 2021

Chegaram definitivamente ao fim os tempos em que resíduos eram associados a lixo e problemas. Hoje, têm sobretudo a ver não apenas com política ambiental, mas também com a política económica e fiscal.

Durante 25 anos a China foi o destino de quase metade dos resíduos recicláveis ​​de todo o mundo. Em 2016, por exemplo, diariamente, nos EUA, cerca de 1500 contentores com materiais recicláveis eram enviados dos portos norte-americanos para destinos chineses. Antes de a China ter imposto severas restrições à importação destes resíduos – primeiro, em 2013, com a política do “Green Fence”, depois, em 2017, com a operação “National Sword” e mais recentemente, a 1 de janeiro deste ano, quando impôs a proibição das importações de determinadas categorias de resíduos – 95% dos plásticos recolhidos para reciclagem na União Europeia e 70% nos EUA eram vendidos e enviados para centrais de processamento chinesas.

Perante esta situação havia dois caminhos: procurar mercados alternativos para enviar os resíduos ou tornar as proibições chinesas numa oportunidade para “valorizar” os resíduos, construindo uma cadeia de valor que promova a reintrodução dos produtos reciclados na economia. Este último é o caminho que o mundo, em especial a União Europeia, tem de seguir. Procurar alternativas à China para exportar os resíduos recicláveis pode ser uma solução de curto prazo, mas tem os dias contados.

Assim, colocar os resíduos ao serviço da economia é o caminho que temos pela frente e que assenta que nem uma luva nas políticas definidas no âmbito do Pacto Ecológico Europeu, verdadeira bússola da nova sociedade do conhecimento e do desenvolvimento que a Europa está a construir.

As maiores exigências ao movimento transfronteiriço de resíduos promovem uma gestão mais próxima dos pontos de produção e esta é uma oportunidade que abre portas ao desenvolvimento de um conjunto de atividades que tem como ponto de partida a visão de encarar os resíduos como recursos, potenciando-os como as novas matérias primas do futuro.

Ou seja, estamos a falar da execução plena dos conceitos de circularidade na economia criando-se, ao mesmo tempo, um mercado global de transação de resíduos. O tempo de os “varrer” para a China ou outros países, sobretudo asiáticos, acabou e o tempo é de ação e não de encolher os ombros.

Ação ao nível das exigências das metas da reciclagem e da reciclabilidade, da mobilização da sociedade para a necessidade de reciclar cada vez mais e de uma forma livre e consciente e apostar em formas colaborativas para que empresas e consumidores se transformem em agentes da reciclagem. Também passa por dinamizar a comunidade académica para que, em estreita colaboração com as empresas, se empenhe na investigação e desenvolvimento de soluções inovadoras para o aproveitamento e reutilização dos resíduos.

O que se espera do Pacto Ecológico Europeu e dos financiamentos anunciados é que sejam capazes de promover a necessária circularidade na economia para que ao reciclarmos mais consigamos que o ciclo se continue a fechar com vantagens para todos. Mas também será necessário que reciclemos de forma diferente, uma questão muito associada à forma como vamos consumir numa sociedade pós-pandemia e onde os recursos são uma questão crucial para a Humanidade.

Numa economia que se pretende cada vez mais circular e sustentável, é necessário que todos os setores de atividade se possam relacionar na busca de soluções e novas tecnologias que deem prioridade à qualidade de vida da sociedade e do ambiente. Como? Por exemplo, com o desenvolvimento de novos materiais de embalagem capazes de substituir os atuais, com melhor desempenho ambiental e cumprindo eficazmente a sua função.

Chegaram definitivamente ao fim os tempos em que resíduos eram associados a lixo e problemas. Hoje, os temas ligados a este setor têm sobretudo a ver não apenas com política ambiental, mas também com a política económica e fiscal. É a combinação destas políticas que levam ao desenvolvimento da bioeconomia, ou seja, a gestão e utilização de recursos de uma forma mais sustentável.

  • Ana Isabel Trigo Morais
  • CEO da Sociedade Ponto Verde

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