
Resseguro robusto mas exposto
Em cima do começo da época dos furacões, António Rito Batalha sente o setor ressegurador robusto, mas pouco preparado para uma nova realidade: A concentração de diversos riscos num mesmo sinistro.
A indústria de resseguro chega à época de furacões em 2025 com uma posição de solidez que não se via há anos. O capital disponível está em níveis historicamente elevados, a disciplina técnica voltou ao centro da atividade e, segundo análise recente da J.P. Morgan, os resseguradores estarão melhor preparados do que nunca para enfrentar a temporada de eventos catastróficos. Esta perceção positiva é real e bem fundamentada.
Contudo, poderá ser perigosa se conduzir a uma visão excessivamente centrada num único tipo de risco: o climático, e mais especificamente, o risco de furacões.
A indústria de resseguro tem demonstrado, ao longo das décadas, uma notável capacidade de adaptação. Mas os desafios atuais exigem mais do que adaptação — exigem transformação.
Vivemos num contexto em que os riscos deixaram de atuar de forma isolada e tornaram-se crescentemente interligados, imprevisíveis e, muitas vezes, cumulativos. A recente análise da Moody’s — que identifica os principais riscos que moldam atualmente o setor segurador — sublinha esta realidade complexa. Ainda que as catástrofes naturais continuem a ser eventos de forte impacto, há hoje uma constelação de ameaças adicionais que, em conjunto, podem pressionar simultaneamente múltiplas áreas dos resseguradores: desde os ativos sob gestão até à reputação institucional. Num setor onde a confiança é essencial, qualquer fragilidade — seja uma falha cibernética, uma resposta ineficaz a um evento extremo ou uma exposição controversa em matéria de ESG — pode rapidamente transformar-se numa crise de imagem, com efeitos prolongados na relação com clientes, investidores e reguladores.
Riscos em simultâneo
A intensificação das alterações climáticas continua a desafiar modelos preditivos. Os riscos cibernéticos, por sua vez, crescem em frequência e sofisticação, podendo originar perdas massivas e altamente concentradas. A instabilidade geopolítica contribui para a volatilidade nos mercados e para perturbações nas cadeias de fornecimento. E a chamada inflação social, alimentada por tendências judiciais imprevisíveis, dificulta a gestão técnica das carteiras, sobretudo nos ramos de responsabilidade civil.
A tudo isto somam-se riscos regulatórios crescentes, pressões ambientais, sociais e de governação (ESG), a escassez crónica de talento técnico qualificado e a ameaça de novas pandemias ou de tensões nos sistemas de saúde. Nenhum destes vetores é novo. O que é novo — e preocupante — é a possibilidade de estes riscos se manifestarem em simultâneo, criando choques compostos que desafiem a própria arquitetura da gestão de risco como a conhecemos.
Robustez não é Imunidade
Num tal contexto, a robustez financeira é, sem dúvida, um trunfo essencial, mas não basta. A verdadeira resiliência exige hoje mais do que capital:
- Exige agilidade organizacional, capacidade de antecipação e um conhecimento profundo das interdependências entre riscos;
- Exige também uma cultura de risco transversal, que ultrapasse silos operacionais e promova uma visão integrada, estratégica e de longo prazo.
A indústria de resseguro tem demonstrado, ao longo das décadas, uma notável capacidade de adaptação. Mas os desafios atuais exigem mais do que adaptação — exigem transformação. Entramos numa nova fase onde o risco não é apenas o resultado de eventos extremos, mas da forma como esses eventos se combinam, se propagam e afetam o ecossistema segurador de forma ampla.
O otimismo fundamentado deve ser valorizado, mas nunca confundido com excesso de confiança. Se há algo que a última década nos ensinou, é que a próxima crise raramente vem do lugar mais óbvio e que, por vezes, o verdadeiro teste à resiliência não vem com um furacão — mas com a colisão inesperada de vários riscos ao mesmo tempo.
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