A Alemanha entende a saída do Reino Unido como a perda de um Aliado. A França vê uma oportunidade para o restabelecimento da “Paridade” entre a Alemanha e a França.

Há uma linha política estrutural que separa a Alemanha da França. Não chega a ser um Muro, mas é um convívio desencontrado na História que a brisa pantanosa do Brexit vai iluminar com a certeza de um LED.

Percorrendo as ruas de Berlim, se o passageiro distraído fizer algo que um alemão julgue reprovável sentirá imediatamente o olhar crítico e uma palavra que estabelece o desagrado. Em Paris, se o viajante na comitiva de um cão de companhia seguir o instinto canino sobre o melhor lugar para uma paragem higiénica, mesmo antes do acto, logo surge um francês zeloso que avisa e ameaça que não existe tolerância para o pequeno crime. Para além da censura, o francês permanece para a eternidade desconfiado, mantendo uma vigilância permanente sobre o território da sua porta e o continente da sua rua.

Nos comboios que percorrem a Alemanha é comum ver uma família organizada em torno de uma lancheira, bem estratificada nutricionalmente, sempre com uma porção generosa de cenouras cruas e crocantes. Nos comboios de França ninguém usa lancheira, preferem alimentar o espírito com as paisagens de uma França Eterna e matar a fome com uma sanduíche ocasional. Podem ser pequenos gestos fúteis e banais, mas podem ser pequenos gestos que revelam no pormenor do quotidiano as grandes tendências do carácter de uma Nação.

Assim, para a Alemanha, a Estabilidade é o propósito da Grande Política. Num país descentralizado, as Regras sobre o Equilíbrio Orçamental, sobre o Défice, sobre a Consolidação Fiscal e a Austeridade, são o factor central que mantém a união da Nação Alemã. O trauma da Alemanha chama-se Inflação. O equivalente da Estabilidade para a França chama-se Crescimento, um fluxo de Progresso garantido pela República e pela política de distribuição de rendimentos na base de um generoso Estado Social. Num país centralizado, o Défice e a Dívida são os instrumentos políticos de um Governo Dirigista, geridos em função das necessidades e das exigências do Crescimento. O trauma da França chama-se Alemanha.

Enquanto a França lê o “Le Monde” nas esplanadas de Paris, a Alemanha ocupa-se com os destaques do “Extracto Bancário” entre um café e os cálculos que permitem a prosperidade das Poupanças. O Parlamento na Alemanha rege-se por Regras e ocupa-se do debate que leva à definição de Soluções Políticas. O Parlamento em França recebe as Soluções Políticas do Presidente e ocupa-se do debate sobre as Regras que levam à respectiva concretização. O Parlamento na Alemanha é mais confiante e politicamente mais poderoso, em contraste sobra um Chanceler com menos poder político no contexto de uma Nação federal e descentralizada. O Parlamento em França está olimpicamente abaixo do Presidente, logo menos confiante e politicamente menos poderoso, em contraste com um Presidente que é o herdeiro político de uma Monarquia em forma de República.

Se o Chanceler na Alemanha pretende desviar o Reno, dirige-se ao Parlamento e aceita a solução política da Câmara. Se o Presidente em França sonhar com uma Nação pintada de azul, o Parlamento encontra os meios políticos para fazer brilhar a Nação de azul. Em termos da Política, os partidos na Alemanha tendem a seguir as Regras, concorrendo às eleições na esperança de ganhar influência política no Parlamento.

Em França, a “Política da Plebe e da Rua” sobrepõe-se demasiadas vezes aos mecanismos formais de uma Democracia Liberal. Na Alemanha, um Orçamento Equilibrado ganha Eleições, enquanto o aumento da Despesa Pública atrai todo o tipo de votos dos extremos políticos. Em França, o Aumento do Défice ganha Eleições, enquanto um átomo de Austeridade atrai todo o tipo de votos dos extremos políticos. Relativamente ao Brexit, a posição da Alemanha tem-se caracterizado pela flexibilidade e pela abertura.

Em questões do Brexit, a França representa uma visão que enfatiza a celeridade do processo e o encerramento do capítulo Britânico na história política da União. Em sentido certo, a Alemanha está mais próxima política e economicamente do Reino Unido, uma vez que tem uma perspectiva marcada por um “laissez-faire” estranho à cultura política de matriz Francesa. Entre o Liberalismo Britânico e o Dirigismo da França, a Alemanha é um aliado natural do Reino-Unido, enquanto a França será a respectiva contraposição Continental.

A Alemanha entende a saída do Reino Unido como a perda de um Aliado. A França observa o recuo Britânico para um estatuto exterior à União como uma oportunidade para o restabelecimento da “Paridade” entre a Alemanha e a França. No ponto de vista da Europa, o Brexit implica menos integração e maior abertura à concorrência e ao comércio livre. Mas esta tendência poderá levar ao rubro a relação entre Paris e Berlim, uma vez que as duas Capitais têm posições politicamente contraditórias nestes pontos essenciais para o futuro da Europa. E se o Brexit for sem Acordo, acresce o impacto de um choque político não desejado nem consentido.

Boris Johnson, na sua facilidade despreocupada, pode ser um híbrido político entre o Mr Bean e os Monty Python, fluente em histórias ridículas sobre Franceses e sobre Alemães. Para o Primeiro-Ministro Britânico o Brexit é o primeiro acto de um grande movimento rumo ao Progresso Global. Quando as ondas de choque tocarem as nuvens, as duas margens do Canal da Mancha sentirão na crise a súbita subida do Mar.

Nota: O autor escreve ao abrigo do antigo acordo ortográfico.

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