Rui Rio é um estadista ou um populista?
O PSD continua sem programa, cai nas sondagens, fragmenta-se. A pressão vai ser um teste de algodão para vermos quem é, afinal, Rui Rio: se o líder com o sentido de Estado ou um líder populista ‘soft’
O diagnóstico.
Se calhar era pedir demais, porque não era fácil levar o PSD de volta ao poder: Ter um programa, marcar uma diferença, ligar-se aos portugueses, mostrar ambição – e um bocadinho de alma. Era pedir demais porque, ao contrário do que se dizia, o PSD não tinha um problema Passos Coelho. O PSD tem um problema de eleitorado.
Podia ser pedir demais, mas também não podemos exigir a menos. Rui Rio parece querer ser um líder à espera que o tempo passe. E pode acabar por ser um líder de passagem. Mas não pode deixar-nos um problema permanente. Hoje, é tempo de lhe exigir respostas, mesmo que não resultados.
A dúvida.
Rui Rio tem vários contras: Não tem experiência de Governo, esteve 16 anos fora do Parlamento, 12 fora da política partidária e está há quatro fora da política activa. Tem também um problema de relógio, um politico de uma geração passada que continuou a comportar-se como se o mundo mediático não tivesse mudado – aparece só de quando em vez e mete férias durante um mês; despreza as redes sociais; Não é dado a correr o país; não se expõe a diálogos, comentários ou desafios.
Mas já passaram seis meses desde que é líder. E falta só um ano para as eleições legislativas. Hoje, Rui Rio tem um problema bem maior do que quando chegou. Viu Santana sair para fundar um partido, ouviu Pedro Duarte lançar-se à liderança, sentiu os críticos movimentarem-se. Esta quinta-feira, uma sondagem deu expressão numérica a esse problema: De Julho para Setembro, o PSD passou de 27,2% para 24,1% nas intenções de voto. Não se espante, por isso, se começar a ler esta pergunta: Rui Rio aguenta-se até às legislativas?
O problema.
A pressão sobre o atual líder do PSD vai ser um teste de algodão para vermos quem é, afinal, Rui Rio: Se o líder com o sentido de Estado com que pauta todas as suas intervenções, se um líder populista ‘soft’ que expõe o país a riscos para ganhar votos nas eleições que se seguem. Populismo, sim. Porque a palavra não pode ser palavra tabu entre nós.
Nestas férias afastadas, tive a sorte de levar comigo uma das melhores análises publicadas este ano sobre a regressão das democracias. Em How Democracies Die, dois politólogos americanos arriscam-se a desenvolver quatro indicadores de alerta para identificarmos comportamentos autoritários ou populistas nos líderes políticos.
Nos últimos tempos, talvez de forma inconsciente, a verdade é que Rui Rio se aproximou desses sinais de alerta pelo menos em cinco situações:
- Nas suas críticas veementes ao sistema judicial, que acusou de querer “concorrer com um jogo de futebol ou um reality show, no sentido de aumentar as audiências televisivas e as tiragens dos jornais” — críticas entretanto suspensas, à espera de um projecto de reforma da Justiça do seu PSD);.
- Também nas críticas aos jornais e jornalistas, reavivadas este Verão quando usou a conta oficial do PSD no Twitter para atacar uma jornalista que escreveu uma notícia de que não gostou.
- Na crítica, também reiterada, ao sistema político, que diz “é mais cadastro do que currículo”, assim como aos políticos no activo que, diz, “sucumbem perante os interesses corporativos e privados”.
- E, se quisermos ser exigentes – e devemos sê-lo – na renúncia a criticar líderes populistas e autoritários do seu próprio partido europeu (o PPE), que têm cortado a liberdade de imprensa e a independência do sistema judicial – caso de Viktor Orbán, como bem denunciou Rui Tavares nas páginas do Público.
Mas talvez o risco que Rui Rio mais correu nestes meses de liderança esteja no modo como ele tem tratado o sistema partidário português, começando pelo “seu” PSD. Seja atacando potenciais adversários como Luís Montenegro ou Hugo Soares (cujos argumentos rebaixa ao ponto de carreirismo puro); A indiferença com que tratou Santana Lopes e a formação de um novo partido; Ou, sobretudo, o discurso moralista como tem tratado o seu grupo parlamentar, as suas distritais, as suas estruturas, as suas elites – as poucas que ainda sobram. E até a forma como tratou os candidatos do PSD que gastaram mais do que o previsto nas últimas autárquicas, pondo-os em tribunal para procurar simpatias na opinião pública: “Como é que vou governar o país se não souber governar o partido?”
Nestes seis meses, sem programa que se veja, Rui Rio está a capitalizar um elemento de desconfiança sobre o seu próprio partido para conquistar simpatias, quando os partidos são o garante da melhor democracia que conhecemos, a representativa.
Talvez Rui Rio não saiba, admito que seja inconsciente. Mas foi assim que os partidos na América abriram caminho a líderes como Donald Trump, como anotam Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, em How Democracies Die: reagindo a uma pressão primária para acabarem com as influências das elites, para se substituírem por líderes que se mostrem moralmente superiores e conquistem os votos. Na prática, a trocar em definitivo os partidos por uma democracia directa. Por lá, demorou três décadas a chegar onde chegou: os partidos falharem na função de travão ao mais básico dos instintos humanos. Por cá, agora, pode demorar bem menos do que isso.
A conclusão.
Este é, portanto, o grande desafio de Rui Rio nestes meses que se seguem: Como mostrar o tal sentido de Estado sem acabar com o que resta do PSD, sem fazer dos outros inimigos, sem se posicionar como o líder que vem para limpar a democracia. Sem que tudo isso, com ele ou depois dele, abra caminho a coisas bem piores.
Se não reparou, essa é, também, uma preocupação de Marcelo: “Tudo o que for debilidade em termos de alternativa de direita, abre caminho àquilo que temos visto noutros países. Não vou qualificar de populismo, mas de partidos antissistémicos, radicais (…). E há na sociedade portuguesa fenómenos que vão nesse sentido. Para já, é tudo muito pequenino, mais vai-se somando”. Vindo de quem vem, é bom levarmos a sério.
Notas soltas da semana
- O Orçamento de 2019 vai passar, porque a crise não convém a ninguém: Costa não tem maioria e não quer perder parceiros para lá de 2019; o Bloco afundou com o caso Robles e precisa de tempo; o PCP não pode ser mais imprevisível do que o Bloco; o PSD precisa de tempo para ter programa.
- Marcelo não exige um novo acordo escrito para se governar em 2019, por um motivo muito simples: ganhando agora o PS, ninguém o assinaria. Para a estabilidade de uma solução de governo, não é coisa boa.
- O PIB cresceu 2,3% no segundo trimestre, ligeiramente acima da UE. Mas lá por fora os sinais não são bons. Um sinal para Costa: se é ele quem se segue, cuidado com o que gasta.
- Portugal passou a ter o 2º IRC mais alto da Europa, o único país a subi-lo nos últimos tempos, de acordo com a OCDE. Depois queixem-se que o investimento não aumenta.
- O Governo quer dar vantagem fiscal aos emigrantes da era Passos que regressem, ainda a tempo de votarem nas legislativas. Mas não nos diz o que já gasta nos programas de apoio já existentes. Gato escondido…
- O Governo cortou o plano de investimentos para a CP a metade o que estava previsto. São 170 milhões, face aos 5,4 mil milhões previstos pela espanhola Renfe. Se o Estado não pode, não é melhor concessionar?
- E o Infarmed? Sempre vai para o Porto?
- E o novo aeroporto? Ainda demora muito?
- Na Justiça, esqueçam o caso Sócrates: O julgamento mais importante do país tem uma toupeira no nome.
- Sobre o e-toupeira: Se isto não fosse futebol, se o Benfica não fosse Benfica, o seu presidente ainda era presidente?
Uma nota final: quando fechei a minha última página no Público, o António Costa teve a amabilidade de me convidar para escrever aqui, no ECO, uma coluna semanal. Devo-lhe, portanto, a honra de me juntar aqui a si e aos que o fazem diariamente. O que lhe prometi foi fazer mais: Tentar acrescentar-lhe dados para pensar, sempre que houver bom pretexto. Até já!
Nota: Por opção própria, o autor escreve de acordo com a ortografia anterior ao novo acordo.
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