Se a indignação pagasse a dívida…

Cada um dos avisos feitos a Portugal foi recebido com "indignação" e sentimento de injustiça, nisto também somos campeões. Estes avisos não só são justos, como ainda vão a tempo.

Há uma semana foi o Sr Schauble que “avisou” que Portugal devia evitar ter de pedir um novo resgate, depois foi o artigo do Boletim Mensal do BCE que defende sanções para os países que não corrigem os seus desequilíbrios e claro, esta semana tivemos as infelizes declarações do presidente do Eurogrupo.

Cada um destes “avisos” foi recebido por cá, à boa maneira portuguesa com grande indignação e com um forte sentimento de injustiça. Nisso também somos os campeões da Europa! É pena que as yields e o PIB reajam pouco a isso.

O sr. Schauble, teve direito, como sempre, a uma resposta imediata do primeiro-ministro. O artigo do BCE, primeiro teve por horas direito a indignação vinda de Belém (rapidamente desmentida), foi depois bastante criticado pelo primeiro-ministro, incluindo até a revelação de que o vice-presidente do BCE não se revia nele (algo estranho como demonstrarei em baixo). Já a péssima analogia do Sr Dijsselbloem teve direito a uma onda generalizada de indignação nacional, com direito até a uma rara unanimidade no Parlamento

No último caso, essa indignação ainda se entende, se bem que foi longe demais já que as declarações foram de certo modo mal traduzidas e usadas para a luta pelo seu cargo – o governo espanhol ainda não desistiu de nomear o seu ministro da Economia para o Eurogrupo… Já nos outro dois, não tanto e dá até a ideia que, tal como em 2010 e 2011, quem ousa apontar o óbvio é imediatamente apontado como profeta da desgraça ou como tendo algum interesse particular em castigar Portugal.

Hoje, teremos mais um dia em que os (auto)elogios se vão repetir. O INE deverá revelar que o défice ficou abaixo dos 2,5% do PIB, ainda que com a preciosa ajuda do PERES, reavaliação de ativos e cativações ainda por esclarecer). A partilhada suficientemente abaixo dos 3% para garantir a saída do Procedimento por Défice Excessivo (PDE) é indiscutivelmente uma boa noticia. Mas saindo Portugal do PDE, significa então que o caminho está terminado e que o ajustamento da economia terminou?

Longe disso… infelizmente, o problema português e bem mais do que apenas orçamental. Aliás, os desequilíbrios orçamentais foram um reflexo da falta de crescimento, dos incentivos dados aos sectores errados e claro do elevado endividamento privado. Ainda que em menor grau, quase todos estes problemas se mantêm mesmo depois do programa de ajustamento.

A economia cresce, mas pouco, o crescimento talvez chegue aos 2% este ano, mas apenas devido aos aumentos de salários e redução de impostos – nada de sustentável, portanto. Os incentivos para os sectores não transacionáveis são menores do que antes da crise, mas a descida do IVA da restauração é o melhor exemplo de uma má medida por todos os motivos. E, finalmente, quanto ao endividamento, ainda que as famílias e empresas estejam a “desalavancar”, esse processo está ainda no inicio dado o fraco crescimento e elevado stock de divida.

O Semestre Europeu não inclui só a monitorização do défice e dívida pública, mas foca-se principalmente nos desequilíbrios macroeconómicos de uma forma mais ampla. É sempre bom lembrar que essa monitorização por parte da Comissão foi aprovada por todos os Estados do euro, incluindo Portugal, com os votos do PS, já que foi parte do “acordo” que permitiu que o BCE alterasse a sua política monetária ainda em 2012 (altura do OMT e do famoso discurso de Mario Draghi em Londres).

Portanto, quer o sr. Schauble, quer principalmente o BCE no seu boletim mensal, limitam-se a constatar o óbvio – há vários países, entre os quais Portugal, que não só mantêm os seus desequilíbrios como não estão a tomar medidas para os corrigir. Neste caso, o BCE até podia ter ido mais longe e dizer que dentro do conjunto de países em falta, Portugal até está agora pior porque tem piorado a sua posição devido a várias medidas tomadas desde 2015: aumentos de salários e redução de horário na função publica, aumentos de salário mínimo sem ligação à produtividade e descida do IVA da restauração por exemplo.

No entanto, esta constatação do BCE não é completamente inocente. Antes de mais, o boletim mensal não vem assinado por nenhum economista como os working papers e outros artigos, ou seja na prática é a posição oficial do BCE – dai que seja no mínimo estranho que um primeiro-ministro possa dizer que falou com o vice-presidente do BCE e que este se distanciou do artigo, imaginemos por momentos que tinha sido Angela Merkel a fazer o mesmo?

E o timing também não é inocente. Surge pouco antes da avaliação da Comissão Europeia, deixando claro para memória futura que esta estará sozinha caso opte por não abrir nenhum processo. Mas mais do que isto, este artigo é também um aviso futuro aos Estados-membros agora que se aproxima o princípio do fim do Quantitative Easing.

Mario Draghi tem vindo a dizer há vários meses que o banco central fez quase tudo ao seu alcance e que agora a bola está do lado dos governos, quer no que diz respeito a ajustamentos orçamentais, mas principalmente quanto a continuação de reformas estruturais, e que sem estas, a política monetária pouco ou nada pode fazer. Ou seja, o BCE está a dizer, mais uma vez: façam o vosso trabalho de casa e não nos responsabilizem se as yields subirem (como têm vindo a subir para Portugal) e tiverem que pedir um (novo) programa.

Por isso, por muita indignação que estes “avisos” provoquem, não só são justos como ainda vêm a tempo. Apesar de tudo, Portugal está agora melhor do que em 2011, principalmente na parte orçamental. No entanto, ainda há muito a fazer e os últimos dois anos foram desperdiçados. A indignação é um dos melhores desportos nacionais, mas não paga dívidas nem gera crescimento. Em 2011, passámos da indignação ao desespero muito rapidamente. E agora, voltará a acontecer o mesmo?

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