Seja feita a Voss(a) vontade

  • Sonia Queiroz Vaz
  • 28 Março 2019

Sónia Queiroz Vaz, associada senior da Cuatrecasas, escreve sobre directiva europeia de Direitos de Autor

Como pedido por Axel Voss, relator da directiva relativa aos direitos de autor no mercado único digital, foi aprovada pelo Parlamento Europeu (PE), a 26 de Março de 2019, a Directiva sobre os Direitos de Autor no Mercado Único Digital da Comissão Europeia (CE).

O processo legislativo europeu tem sido carregado de críticas e de conflitos ideológicos entre as plataformas tecnológicas multinacionais de partilha de conteúdos, como o Google, YouTube e Facebook, para as quais, ao ser aprovada em moldes idênticos aos que foram agora divulgados, a nova legislação implica maiores responsabilidades e custos, os criadores dos conteúdos, que vêem reconhecida a possibilidade de cobrar àquelas plataformas pela partilha dos seus conteúdos e benefícios associados, sejam eles directos ou indirectos e os seus utilizadores, que antecipam uma Internet “filtrada”, “censurada” e “menos livre” para a partilha de conteúdos.

São várias as alterações em causa mas destacamos três, por terem sido apresentadas como fracturantes, face ao regime jurídico ainda em vigor do direito de autor:

O mecanismo de ajustamento de remunerações, que visa garantir que os autores e titulares de direitos recebem uma parte equitativa do valor gerado pela utilização das suas obras e outro material protegido por direitos de autor, no caso de a remuneração inicialmente acordada ser desproporcionadamente baixa em comparação com as receitas e os benefícios decorrentes da exploração do trabalho ou da fixação da prestação, prevendo-se um procedimento de resolução alternativa de litígios que trate os pedidos relacionados com as obrigações de transparência e de ajustamento contratual.

O novo direito para os editores de imprensa com vista a facilitar o licenciamento em linha das suas publicações, a recuperação do seu investimento e o cumprimento dos seus direitos e que confere aos editores os direitos de reprodução e de colocação à disposição do público, considerando-se que esta protecção não abrange a utilização de hiperligações para artigos, acompanhadas de palavras isoladas para descrevê-los, que não constitui um acto de comunicação ao público, não sendo, portanto, abrangida pelas restrições relativas aos direitos de autor. Os jornalistas terão direito a uma parte adequada das novas receitas adicionais que os editores de imprensa recebem por determinados tipos de utilização secundária das suas publicações de imprensa por prestadores de serviços da sociedade da informação.

A obrigação de utilização de tecnologias de reconhecimento de conteúdos protegidos por direitos de autor (os outros não serão, obviamente, abrangidos) e de os prestadores de serviços que armazenam e permitem a partilha de grandes quantidades de obras ou outro material protegido adoptarem medidas que assegurem o funcionamento dos acordos celebrados com os titulares de direitos relativos à utilização das suas obras ou que impeçam a colocação à disposição nos seus serviços de obras ou outro material protegido identificados pelos titulares.

A directiva esclarece que esta obrigação não será aplicável às empresas mais pequenas, medida concebida para proteger start-ups europeias. Os serviços que tenham uma facturação anual inferior a dez milhões de euros, assim como até 5 milhões de visitantes mensais, e ainda menos de três anos de presença no espaço digital europeu não estarão sujeitas às obrigações do artigo 17 (antigo artigo 13). No entanto, terão igualmente de enveredar esforços para impedir que conteúdos protegidos por direitos de autor circulem sem autorização nas respectivas plataformas.

A directiva clarifica ainda que os prestadores de serviços de partilha de conteúdos em linha efectuam um acto de comunicação ao público, devendo por isso celebrar acordos de licenciamento justos e adequados com os titulares de direitos. Esses acordos deverão abranger a responsabilidade por obras carregadas pelos utilizadores desses serviços de partilha de conteúdos em linha, em conformidade com o acordo de licenciamento, desde que esses utilizadores não actuem para fins comerciais. Caso os titulares não pretendam celebrar acordos de licenciamento, os prestadores deverão assegurar que as obras ou outro material protegido não estejam disponíveis nos seus serviços e os prestadores deverão disponibilizar mecanismos de reclamação céleres e eficazes para os utilizadores, para os casos em que os conteúdos sejam injustificadamente retirados, devendo a queixa ser sujeita a controlo humano e permitindo-se que os conflitos associados sejam resolvidos com recurso a meios alternativos de resolução de litígios.

Os serviços que actuam para fins não comerciais, como enciclopédias em linha (ex.: Wikipedia), os prestadores de serviços em linha quando o conteúdo é carregado com a autorização de todos os titulares dos direitos em causa, como repositórios científicos ou educativos, entre outros, não devem ser considerados prestadores de serviços de partilha de conteúdos em linha.

Os grandes objectivos da directiva consistem na preservação do património da União em benefício das gerações futuras, respeitando e promovendo a diversidade cultural e, ao mesmo tempo, trazendo o património cultural comum europeu para primeiro plano. Assim sendo seria desejável evitar as diferenças que resultarão da transposição da directiva para os EM e, uma vez mais e como até aqui, as diferentes interpretações dos tribunais nacionais. Ainda assim e, mesmo sem as vantagens de harmonização de um regulamento europeu, com aplicação directa nos EM, antecipam-se novos controlos e (re)equilíbrios de poder na Internet.

  • Sonia Queiroz Vaz

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