Senhores passageiros da TAP, é favor apertar o cinto

A TAP vai partir para uma viagem turbulenta. A Pedro Nuno Santos assenta-lhe bem o chapéu de comandante. É politicamente irrequieto e temperamental, mas aparentemente sabe o caminho.

Já se conhece o plano de restruturação da TAP e é uma espécie de copy & paste do plano de 1994 que também obrigou a companhia aérea de bandeira a despedir 2.580 trabalhadores (agora são 1.600 a prazo e 2 mil dos quadros), a congelar salários (agora vão sofrer um corte de 25%), a reduzir a frota de 38 para 32 aeronaves (agora é de 108 para 88) e a encolher as rotas em 9,5% (agora é em 25%).

Na altura, a troco de uma injeção de 180 milhões de contos de dinheiros públicos, Bruxelas exigiu também que o Estado iniciasse o processo de privatização que esteve quase a acontecer com a entrada da Swissair. Não aconteceu na altura, e só viria a acontecer em 2015 com a entrada de David Neeleman no capital da TAP.

Foi um erro. Mesmo para quem tenha uma visão mais liberal da economia, creio que ficou provado nos últimos anos que vender a TAP a aventureiros da aviação, a fura-vidas e a gente estranha como German Efromovich e David Neeleman é hipotecar o futuro da empresa. Na primeira chamada de capital desertam porque não têm capital.

Se a isto juntarmos gestores como Fernando Pinto que hipotecaram o futuro com negócios ruinosos como o da compra da VEM no Brasil, creio que estamos conversados sobre as maravilhas da privatização e da gestão privada da TAP.

Aqui chegados, e com uma pandemia em cima, o Estado teve de intervencionar a companhia, à semelhança do que tem sido feito por essa Europa fora em empresas como a Lufthansa, a Air France ou a British Airways. Ao contrário destas companhias, que estão a emagrecer por necessidade, a TAP vai ter de encolher por imposição de Bruxelas porque não é ­considerada uma empresa viável.

O papel de PNS na TAP

Aqui chegados, dois ou três elogios para Pedro Nunos Santos (PNS), o ministro das Infraestruturas. É um político com um estilo irrequieto, traquinas, politicamente reguila, temperamental, birrento, mas que tem duas boas qualidades: 1) pensa; 2) e pensa pela sua própria cabeça.

Primeiro, PNS teve a coragem de dizer que mesmo que não fosse por imposição de Bruxelas, a TAP iria ter de emagrecer porque não é uma empresa saudável. Uma empresa que fechou 2019 com capitais próprios negativos de 580 milhões, “em nenhum canto do mundo” é uma empresa saudável.

PNS também teve a coragem de tomar uma posição clara. Colocou de um lado da balança 3,7 mil milhões de euros de dinheiros públicos e no outro prato da balança os prejuízos de um eventual colapso da TAP e concluiu, bem ou mal, que valia a pena o investimento. É mais difícil fazer isso do que ter uma posição politicamente cómoda e ambígua como a de Rui Rio que é contra a injeção de dinheiro na TAP, mas é incapaz de assumir o ónus de uma falência da empresa.

Tomada uma posição sobre a TAP, PNS quis “amarrar” o Parlamento a essa decisão, ao querer que o plano de reestruturação fosse votado na Assembleia da República. Podemos argumentar que ao fazer isto, como escreveu Francisco Louça no Expresso, “o Governo estaria a deslocar de algum modo a fronteira da definição constitucional dos poderes legislativo e executivo, reduzindo o seu próprio poder”.

E podemos ainda dizer que PNS esteva mal ao não comunicar previamente essa intenção a António Costa. À SIC Notícias, o ministro das Infraestruturas afirmou que não necessita “do colinho de terceiros para tomar decisões”. Só que a verdade é que para tomar uma decisão desta envergadura precisava naturalmente do “colinho” do primeiro-ministro. Não o fez e apanhou o tautau merecido.

Tirando da equação o problema político e regimental, naturalmente que a ideia de votar a TAP no Parlamento não era propriamente estapafúrdia. PNS ficou a falar sozinho no PS e no Governo, mas é sinal que pensa pela própria cabeça.

Os salários dos pilotos

Por fim, PNS teve a coragem de ir à SIC Notícias e revelar os salários dos pilotos da TAP, um dos segredos mais bem guardados de Portugal: um oficial de piloto com 1 ano na TAP leva para casa 80 mil euros/ano e um comandante com 30 anos de casa ganha 260 mil euros por ano, ou seja, 20 mil euros/mês.

Isto é um salário alto? “O que acha?”, respondeu PNS. Sim, são salários elevados em qualquer canto do mundo. E há mais uma conta de merceeiro que dá que pensar: a TAP gasta por ano 678,6 milhões de euros a pagar salários a 9.006 trabalhadores. Destes, 1.347 são pilotos e pesam 306 milhões nos custos da empresa. Ou seja, os pilotos representam 15% da força de trabalho, mas ficam com 45% do dinheiro que a TAP gasta em ordenados.

O salário alto, por si só não gera ou não deveria gerar desconforto nos portugueses que vão agora apertar novamente o cinto para ajudar a companhia aérea. Porque estamos a falar de um setor concorrencial e de uma profissão altamente técnica e especializada.

O que não faz sentido é que, como denunciou PNS, os tripulantes da TAP ganhem mais 18% a 85% do que os seus colegas da Iberia. Também não faz muito sentido que sejam os acordos de empresa da TAP a determinar quantos tripulantes vão numa aeronave. As contas do Governo mostram que a TAP tem “mais 19% de pilotos por aeronave do que as congéneres e mais 28% de tripulantes por aeronave”.

PNS deu o exemplo de um Airbus A321: na maior parte das companhias aéreas na Europa, bastam quatro tripulantes para operarem a aeronave. Na TAP, os acordos de empresa determinam que são necessários cinco tripulantes para operar o mesmo aparelho. Ou seja, na TAP não são as normas de segurança, de eficiência ou de qualidade de serviço a determinar quantos tripulantes vão numa aeronave, mas sim o acordo de empresa negociado com os sindicatos. Se o sindicato tiver muita força, o avião vai apinhado de tripulantes; se o sindicato tiver pouca força negocial, o avião arrisca-se a não ter sequer uma hospedeira para ler o folheto de segurança. Em qualquer dos casos, o melhor é apertar o cinto. A viagem vai ser turbulenta.

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