Sobre a proibição do recurso à terceirização pelas empresas

  • José João Henriques
  • 22 Julho 2025

A Agenda do Trabalho Digno passou a proibir, sem mais, as empresas de recorrerem à terceirização de serviços para satisfazer necessidades que tenham sido asseguradas por trabalhadores despedidos.

A Agenda do Trabalho Digno introduziu o artigo 338.º-A do Código do Trabalho que passou a proibir, sem mais, as empresas de recorrerem à terceirização de serviços para satisfazer necessidades que tenham sido asseguradas por trabalhadores despedidos por despedimento coletivo ou extinção do posto de trabalho nos 12 meses anteriores.

O objetivo é o de prevenir práticas abusivas de substituição de trabalhadores por outsourcing, mas a rigidez e abrangência da norma suscitam dúvidas quanto à sua conformidade com princípios e liberdades constitucionais.

Em especial, a Constituição consagra o direito das empresas à organização livre dos seus meios de produção, incluindo a gestão de recursos humanos de acordo com exigências técnicas, económicas ou organizativas. Essa liberdade abrange a possibilidade de reestruturar operações, ajustar a atividade, incorporar inovação ou recorrer a prestadores externos para funções não nucleares.

Ora, ao não distinguir entre situações legítimas e patológicas, a norma acaba por tratar como iguais situações muito distintas, colocando em causa esse direito, mas o recente Acórdão n.º 555/2025 doTribunal Constitucional decidiu não declarar inconstitucional a norma em questão, pela dita norma prosseguir o fim de “prevenir o despedimento como meio para alcançar a externalização”, com o fim de reduzir custos em prejuízo da segurança no emprego e por, supostamente, inexistirem mecanismos de fiscalização eficazes deste tipo de reorganizações e decisões de gestão. Este acórdão tem muito que se lhe diga…

Além de esta justificação não ser aceitável e nem sequer correta, importa também perguntar se é efetivamente adequada ao objetivo que se pretende alcançar: irá esta proibição proteger efetivamente o emprego ou, paradoxalmente, contribuir para a sua fragilização ao travar adaptações empresariais legítimas?

Esta decisão também parece assentar num ideal de empresa verticalmente integrada, que executa internamente todo o tipo de funções. Mas este modelo é já uma raridade e não reflete a realidade marcada por ciclos curtos, inovação tecnológica e globalização.

Funções acessórias ou complementares são frequentemente desempenhadas de forma mais eficiente por operadores externos especializados, o que não equivale a dizer que estamos perante uma precarização das relações laborais, sendo antes uma resposta racional à crescente segmentação do mercado.

Aliás, alguns Juízes Conselheiros votaram vencido no Acórdão, alertando para situações reais em que a norma poderá gerar efeitos desproporcionados, travando reorganizações legítimas e criando entraves adicionais à sustentabilidade das empresas e, por arrastamento, ao próprio emprego. Ou seja, tal proibição, assente numa presunção generalizada de fraude ou abuso, ao ser aplicada de forma cega, não vai impedir a extinção de postos de trabalho a longo prazo.

Seja como for, esta decisão e norma vêm aumentar os desafios da gestão empresarial, exigindo maior prudência nas decisões de reorganização, até porque continua por resolver uma questão essencial. É que em função da resposta a essa questão, mais do que uma eventual coima por violação da dita proibição, um despedimento será lícito ou ilícito, e não existe uma opinião unânime sobre o assunto… Caberá agora aos tribunais delimitar os contornos e limites que as operações de better sizing poderão assumir na prática.

Por outro lado, a controvérsia em torno desta norma revela um problema maior: a dificuldade em fazer leis laborais ajustadas à realidade das empresas e do mercado de trabalho. Ainda se legisla com base em modelos antigos, afastados da realidade prática. Esta norma é apenas um exemplo da necessidade de um debate mais lúcido e realista.

É claro que decisões abusivas devem ser fiscalizadas e sancionadas, mas proteger os trabalhadores não significa bloquear as empresas. Significa garantir direitos com equilíbrio, controlo e capacidade de adaptação num mundo laboral cada vez mais complexo e exigente, e significa legislar com visão, com normas redigidas de forma lógica e clara aptas de serem percebidas por todos.

Proteger os trabalhadores e permitir que as empresas se adaptem não são objetivos opostos, mas antes condições essenciais para que o Direito do Trabalho continue a acompanhar a evolução deste mundo e a cumprir a sua função, e não fique preso a dogmas passados ou refém de um onirismo contraproducente.

  • José João Henriques
  • Advogado da PLMJ

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