Sumário: continuação da matéria da bancarrota anterior

O acordo do Governo com os professores garante o benefício político da cedência antes das eleições. Mas o grosso da factura para os contribuintes só aparece depois das eleições.

A chave política para a questão dos professores li-a há mais de uma semana no jornal Expresso (edição de 11 de Novembro): “Ao Expresso, Carlos Silva pediu ‘bom senso’ ao Governo lembrando que ‘foi com teimosias como estas que Maria de Lurdes Rodrigues fez o PS perder uma maioria absoluta’”.

Pela voz do líder da UGT fica claro como água o que está em causa na perspectiva dos caciques políticos e dos que dela fazem vida com o propósito único de conquistar ou manter poder. Não sabem bem para quê, além da defesa dos seus próprios interesses e das corporações a que pertencem, e a última coisa com que se preocupam é que esse seu objectivo seja alcançado à custa dos contribuintes, da saúde da economia ou, no limite, das bancarrotas do país.

O que passou com a gestão do mais recente conflito com a classe dos professores é sintomática disto mesmo.

Há muitos, muitos anos que se sabe que as regras para a evolução na carreira dos professores são, entre várias outras, três coisas.

  1. A primeira é que são um atentado à inteligência de todos, porque nos querem fazer crer que não há, entre os cerca de 100 mil professores, um só incompetente ou, pelo menos, sofrível. Nem um, para amostra. Todos, sem excepção, atingem o topo de carreira e o respectivo ordenado. Basta que deixem passar o tempo, que é igual para todos – competentes e incompetentes.
  2. A segunda decorre desta e é o mais completo contra senso na gestão de pessoas. Os primeiros penalizados por este comunismo laboral já fora de época são os professores competentes, empenhados e que cumprem bem a sua função – acredito, sem esforço, que são uma larga maioria mas nem isso sabemos porque não há avaliações dignas desse nome. Se um professor competente tem a seu lado um incompetente que errou na profissão, que motivação tem para o ser se, ano após ano, seguem os dois a par na evolução na carreira e na folha de ordenado?
  3. A terceira é a ruína destas regras para os contribuintes que, pobres coitados, não têm um sindicato que vá para a rua defender os seus interesses. Este regabofe que se arrasta há décadas é pago, convém sempre lembrá-lo, pelos impostos pagos pelos outros trabalhadores. E se estes forem trabalhadores do sector privado até correm o risco de ir parar ao desemprego, ainda que sejam competentes, se estas e outras coisas no Estado correrem demasiado mal, como aconteceu no início da década.

Toda a gente sabe disto há décadas e já vários ministros, de governos de várias cores partidárias, tentaram fazer um remendo aqui e outro ali. Sem sucesso, como se vê. A última vítima, como o líder da UGT já fez questão de recordar – ao estilo “portem-se bem, não querem que vos aconteça o mesmo, pois não?” – foi Maria de Lurdes Rodrigues.

O assunto estava adormecido desde 2010 quando o governo de José Sócrates, num dos primeiros pacotes de austeridade para tentar evitar o resgate, congelou a progressão nas carreiras a partir do início do ano seguinte.

Que os professores o tenham colocado agora novamente na agenda e feito dele assunto para uma “guerra” de classe é absolutamente normal e compreensível. Eu, enquanto contribuinte e cidadão preocupado com as políticas públicas e as contas do Estado, não espero que sejam as variadas corporações e grupos de interesses particulares a pensar no bem comum em detrimento das suas próprias benesses e vantagens privadas.

Para contrariar isso, sobretudo quando as reivindicações são ilegítimas ou incomportáveis, existem os poderes públicos eleitos e com a função de governar. São eles que têm que ter a força e coragem suficientes para dizer “não”. Ou seja, espera-se que os governantes sejam o contrário do que foi este governo neste caso concreto.

Depois de começar por negar a pretensão dos professores, porque as contas falam por si, o governo, amedrontado pela greve, pelos protestos na rua e, sobretudo, pelas perspectivas eleitorais, foi recuando passo a passo até assinar um compromisso a altas horas da madrugada.

O método é altamente desaconselhável. Ao agir desta forma, o governo não fez mais do que incentivar quem quer que seja a vir para a rua protestar, já que o protesto é altamente compensador. Ainda sou do tempo em que os governantes com sentido de Estado se recusavam a negociar com grupos de interesses enquanto estes estivessem em greve ou com manifestações na rua. Onde pára essa dignidade?

E o resultado é alarmante. Perante uma regra “financeiramente insustentável” – e se o insuspeito João Galamba o disse, não há razões para duvidar -, o que qualquer governo responsável faria era tratar de rever a regra para a tornar sustentável. Estancar uma sangria financeira é o primeiro passo para resolver os desequilíbrios. Ou então, encontrar compensação dentro do sector, com a redução do número de professores, por exemplo.

Ceder aos professores sem mais, ainda que de forma faseada, não evita o problema, apenas o disfarça num primeiro momento. Os 650 milhões que o ministro das Finanças calcula de impacto anual serão sempre pagos quando toda a progressão na carreira dos professores for assumida. Com a perversão de atirar com o grosso deste encargo para a próxima legislatura: o benefício político da cedência aos professores é garantido antes das eleições, mas a factura para os contribuintes aparece apenas depois.

Nada aprendemos com os erros passados, com a distribuição de dinheiro aos funcionários públicos apenas para ganhar eleições, com as obras vistosas feitas em regime “inaugure agora e pague depois”, com o ilusionismo financeiro que já não engana ninguém.

Aberta a caixa de Pandora, venham daí todos os outros profissionais do Estado para a mesma reivindicação. Afinal, com ou sem Mário Nogueira a mandar no governo, não pode haver filhos e enteados. E se o governo até começou por anunciar que a austeridade acabou, não há como não repor tudo como estava antes. Antes da bancarrota, bem entendido.

Nota: Por opção própria, o autor não escreve segundo o novo acordo ortográfico

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