Supervisão de Riscos Climáticos: Desafios da Sustentabilidade

  • Helena Chaves Anjos
  • 13:47

Helena Chaves Anjos demonstra que se está num momento crucial legislativo para definir como os diferentes envolvidos no setor segurador terão de enfrentar os novos riscos de sustentabilidade.

Os desafios climáticos e ambientais têm imposto pressões sem precedentes sobre o setor segurador. A recente consulta pública do supervisor do setor europeu EIOPA (Dezembro 2024)1 representa um marco significativo na adaptação do quadro regulatório para integrar estes novos riscos de sustentabilidade, biodiversidade e de transição climática.

Este artigo reflete os avanços apresentados, a relevância das propostas para a revisão da Solvência II e os contributos do Banco Central Europeu (BCE) na gestão de riscos de catástrofes naturais, sublinhando as implicações na supervisão de riscos no setor segurador nacional, de acordo com estudo da ASF no que respeita ao fundo sísmico recentemente entregue ao governo.

Consultas Públicas: Riscos de Biodiversidade e Sustentabilidade

A inclusão dos riscos de biodiversidade e sustentabilidade na agenda regulatória reflete o reconhecimento da sua relevância sistémica. Das consultas, em curso, destacam-se algumas das dimensões técnicas chave:

  1. Gestão de Riscos de Biodiversidade: Proposta para integrar os riscos de biodiversidade na gestão de riscos dos seguros, considerando seu impacto sistémico. O documento discute a necessidade de integrar a biodiversidade nos modelos de avaliação de risco das seguradoras. A proposta visa identificar e gerir os riscos associados à perda de biodiversidade e seus impactos no setor, sugerindo estratégias de adaptação e mitigação, e destacando a importância de considerar esses fatores nas decisões de investimento e nas práticas de governação das seguradoras;
  2. Gestão de Riscos de Sustentabilidade: Diretrizes sobre como as seguradoras devem gerir os riscos climáticos e ambientais para promover a sustentabilidade. O documento discute a necessidade de as seguradoras integrarem riscos ambientais, sociais e de governação (ESG) nas suas operações. A consulta abrange critérios para a análise e divulgação desses riscos, com o objetivo de melhorar a resiliência do setor segurador e garantir a consistência nas abordagens regulatórias. Centra-se, ainda, em garantir que as práticas do setor cumpram às exigências de sustentabilidade e mitigação de riscos;
  3. Parâmetros Específicos da Empresa: Revisão das diretrizes para parâmetros específicos utilizados pelas seguradoras, com foco nas avaliações de risco. O documento centra-se na revisão das orientações sobre os parâmetros específicos que as seguradoras devem aplicar nas avaliações de solvência, especialmente ao definir e integrar as variáveis e características particulares das suas carteiras. A revisão visa garantir maior precisão na modelização de riscos, promovendo consistência e adequação de acordo com os requisitos prudenciais do regime económico da Solvência II;
  4. Risco de Mercado e Contraparte na Fórmula Padrão: Alterações nas diretrizes sobre como tratar exposições de risco de mercado e contraparte no cálculo do requisito de capital. O documento aborda ajustes no cálculo e tratamento de riscos de mercado e contraparte. Estas revisões visam reforçar a abordagem prudencial do setor segurador, aumentando o rigor, precisão e consistência no cálculo das exposições, e melhorar a gestão de riscos dentro da fórmula padrão de Solvência II;
  5. Risco de Resgates Massivos: O parecer relativo às técnicas de mitigação de riscos pelas empresas seguradoras (Novembro 2024), aborda fatores críticos de resseguro, no caso de cenários de resgate massivos e cláusulas de terminação dos contratos de resseguro. Esta iniciativa visa avaliar mecanismos capazes de fortalecer a estabilidade do setor em situações de stress, promovendo uma gestão mais eficaz dos riscos operacionais e de mercado, com ênfase na resiliência aos eventos inesperados.

A Abordagem Europeia para Catástrofes Naturais

A proposta conjunta da EIOPA e do BCE2 para criação de um mecanismo de resseguro público-privado europeu é um passo relevante para mitigar o crescente défice de proteção seguradora. A proposta tem por base uma estrutura assente em dois pilares – um mecanismo de resseguro e um fundo europeu para desastres – numa abordagem que visa aumentar a acessibilidade e a abrangência da cobertura dos seguros contra catástrofes naturais. Este esforço responde à frequência crescente de eventos extremos e à pressão financeira que estes impõem sobre governos, empresas e famílias.

O quadro proposto baseia-se nas estruturas existentes, nacionais e supranacionais, para os dois pilares:

  • Um mecanismo de resseguro público-privado europeu. Este pilar visa aumentar a cobertura de seguros, reunindo riscos privados de toda a UE, financiado por prémios baseados no risco das seguradoras e mecanismos nacionais de resseguros, aproveitando as economias de escala, ao diversificar a cobertura de risco elevado ao nível europeu, tornando os seguros contra catástrofes naturais mais acessíveis e sustentáveis, à população em geral;
  • Um fundo europeu para o financiamento de desastres públicos. Este pilar fortaleceria a robustez da gestão pública de riscos de catástrofes e apoiaria a fase de reconstrução de infraestruturas após a ocorrência de eventos catastróficos. Além disso, incentivaria medidas proativas de mitigação de riscos, preparando de forma mais adequada a Europa e aumentando a sua resiliência climática.

No âmbito desta proposta conjunta, o banco central destaca a necessidade de medidas de adaptação e de mitigação, incentivando Estados-Membros a adotarem iniciativas alinhadas com as metas de sustentabilidade climática e resiliência estrutural. Para estes supervisores é crucial que a supervisão continue a promover a transparência, a utilização eficiente de recursos públicos e o reforço da confiança dos clientes.

Relevância e Impacto Regulatório

Os desenvolvimentos regulatórios apresentados representam uma oportunidade única para reposicionar a gestão de riscos do setor segurador, nomeadamente, nos seguintes aspetos que, aqui, merecem destaque:

  • Integração na governação de riscos: A inclusão dos riscos climáticos e de biodiversidade, no modelo de governo e na tomada de decisões das seguradoras, exigindo uma revisão das competências dos conselhos de administração e uma coordenação efetiva entre as funções-chave;
  • Adaptação aos cenários climáticos: A obrigatoriedade da consideração de cenários climáticos nos planos de sustentabilidade e na avaliação de riscos reforça a resiliência do setor perante incertezas;
  • Compromisso de sustentabilidade: O alinhamento com a Diretiva de Relatórios de Sustentabilidade Corporativa (CSRD – Corporate Sustainability Reporting Directive) é um fator crucial para garantir a consistência na divulgação de riscos e oportunidades ambientais, nos relatórios corporativos oficiais.

O Caminho a Seguir

Os próximos meses serão decisivos para o setor segurador europeu. A resposta à consulta pública determinará a adoção destas normas e nível de compromisso alcançado na promoção de uma supervisão robusta e eficaz.

Em paralelo, ao nível nacional, a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF) apresentou ao Governo, no início de janeiro3 a proposta para a criação de um fundo sísmico que integra cenários de cobertura ajustados para diferentes níveis de severidade: risco reduzido, médio e severo.

  • Entre as principais medidas, destaca-se a introdução de uma certificação sísmica obrigatória para edifícios, semelhante à certificação energética, permitindo ajustar os preços de seguros ao risco sísmico;
  • A proposta pretende abranger ativos imobiliários seguráveis, em especial as habitações, mas também, os riscos potenciais, associados ao comércio e à indústria, sublinhando a relevância da prevenção como elemento central para mitigar os impactos económicos de catástrofes naturais;
  • Este posicionamento estratégico da autoridade surge alinhado com o parecer conjunto dos supervisores UE, reforçando desafios da supervisão estratégica, no que respeita a novos riscos;
  • A proposta aguarda agora decisões políticas de acordo com notícias avançadas sobre o assunto.

Em conclusão, o setor segurador enfrenta um duplo desafio:

  1. Implementar soluções inovadoras para riscos emergentes;
  2. Consolidar a resiliência financeira decorrente de pressões externas. Em particular, em Portugal, de acordo com as especificações técnicas do estudo no que respeita ao fundo sísmico a confirmar oportunamente.

A coordenação entre reguladores, supervisores e os vários atores do mercado, quer seguradoras, corretores e outros operadores, será essencial para transformar estes desafios em alavancas, na fase de adaptação climática, para continuar garantir a estabilidade e sustentabilidade futura do setor segurador nacional, no contexto do mercado Europeu.

1 EIOPA, News article, 4 December 2024: EIOPA opens second batch of consultations on legal instruments after Solvency II review

2 EIOPA, News article, 18 December 2024, EIOPA and ECB propose European approach to reduce economic impact

3 ECOseguros, 3 Janeiro 2025, ASF já entregou ao Governo proposta para criação de fundo sísmico

  • Helena Chaves Anjos
  • Economista e Mestre em Finanças. Especialista em gestão de risco nos seguros

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