Trabalhar. Faz sentido?

Portugal será tanto mais rico quanto maior for o número de portugueses que encontrem sentido no trabalho, o que nos leva à questão que é saber se, no nosso país, trabalhar mais vale a pena.

A caminho do trabalho deparei-me com um cartaz do CDS que coloca a seguinte questão: “Trabalhar. Faz sentido”? É uma questão pertinente… mas deveria ser mais bem formulada, passando a “Trabalhar mais em Portugal. Vale a pena?”.

Respondendo à questão do cartaz, começo por afirmar que faz todo o sentido trabalhar, não apenas porque todos nós, enquanto cidadãos, temos a obrigação de contribuir para o funcionamento da sociedade, mas, também, porque o trabalho pode e deve ser fonte de realização, tornando-nos pessoas mais ativas, envolvidas socialmente e felizes.

E, na insuficiência dessa razão, importa recordar que faz sentido trabalhar porque a riqueza, geradora dos impostos que sustentam as nossas necessidades comuns, não nasce das árvores.

Alguém tem de trabalhar para que essa riqueza seja gerada, sendo incontornável reconhecer que, se, no limite, cada um de nós começar a pôr em causa o sentido e o valor do trabalho, será inevitável que acabemos todos, pessoal e colectivamente, mais pobres.

Portugal será tanto mais rico quanto maior for o número de portugueses que encontrem sentido no trabalho, o que nos leva à segunda questão que é saber se, no nosso país, trabalhar mais vale a pena.

Está em causa perceber se, em Portugal, o esforço e o desgaste adicionais, inerentes à evolução académica e profissional e à maior complexidade e responsabilidade normalmente associadas às funções mais bem remuneradas, são compensados pela retribuição financeira que, após a tributação imposta pelo Estado, chega às mãos de quem trabalha.

É uma mera questão de custo-benefício, que parte da comparação entre o investimento feito, em termos pessoais e familiares, e o retorno obtido sob a forma de satisfação pessoal e profissional, segurança financeira, incremento da qualidade de vida e, naturalmente, evolução na escala social.

Este exercício não requer nenhuma licenciatura em ciências económicas, mas tão-somente a análise simples do nosso sistema fiscal no que à tributação dos rendimentos do trabalho diz respeito.

A tributação sob a forma de uma percentagem sobre o valor do salário conduz necessariamente a que quem tenha maior vencimento, contribua mais em termos absolutos.

Esse ajustamento deveria ser suficiente.

O que acontece, porém, é que, à medida que os rendimentos de determinado indivíduo vão aumentando, maior é a percentagem aplicada sobre esses mesmos rendimentos (tributação progressiva), o que equivale a dizer que quanto mais se trabalha em Portugal e, consequentemente, maior é o vencimento ilíquido auferido, não apenas maior é o valor dos impostos que se paga, como maior é a porção do salário que não reverte para quem trabalhou.

Sendo este o estado das coisas no privado, quando se procura a aplicação da mesma equação custo-benefício no sector público, esta mostra-se ainda mais complicada de equilibrar, já que, para além da questão fiscal, a forma como são definidos os vencimentos no Estado vem penalizar, ainda mais, o já pouco apelativo panorama dos estímulos ao maior esforço por parte dos trabalhadores.

Estamos habituados, e bem, a considerar que uma das principais formas de alcançar a justiça laboral e social passa por garantir salário igual para trabalho igual, condição que, não se verificando, põe em causa o respeito pelo Princípio da Igualdade, consagrado na Constituição Portuguesa.

Que a trabalho igual deve corresponder igual vencimento é uma verdade incontestável e a necessidade de se assegurar que assim acontece é uma preocupação transversal à sociedade portuguesa.

Acontece que a inversa também deveria ser verdadeira: a trabalho diferente deveria corresponder salário diferente, sendo imperativo reconhecer que tratar o que é diferente de forma igual é tão grave e tão injusto quanto tratar de forma desigual aquilo que é igual.

Disso é exemplo o que ocorre no sector público, onde os trabalhadores são remunerados de acordo com regras que limitam as possibilidades de uma retribuição salarial verdadeiramente diferenciadora em função do mérito individual e ajustada ao conteúdo, mais ou menos complexo, das funções exercidas e das responsabilidades pessoais associadas às mesmas, com consequências nocivas para a motivação de quem trabalha no Estado.

Parece, pois, inegável que se poderia fazer mais em Portugal pela criação de verdadeiros estímulos a mais e melhor trabalho, sendo urgente inverter essa situação, começando por reduzir a tributação sobre os rendimentos do trabalho e por reformar o sistema de incentivos remuneratórios na administração pública.

Se tal não acontecer, continuaremos a ser um país de pessoas mal pagas, cujos talentos partem para procurar, noutras paragens, a motivação e a recompensa que não encontram em Portugal.

Com isso, em vez de contribuírem para o desenvolvimento português, participam no enriquecimento de outros países, que beneficiam da formação de excelência dos nossos trabalhadores, paga com os impostos dos que cá estavam e que cá continuam, o que não pode deixar de nos fazer questionar até quando e com que consequências se poderá manter tal situação.

Não serei, certamente, a única pessoa a quem estas dúvidas e desencantos assolam.

Há, com certeza, uma maioria silenciosa que não tem feito ouvir a sua voz e o seu desejo de abraçar novas formas de entender a sociedade e a economia, mais centradas nas verdadeiras necessidades dos portugueses, que distingam o essencial do acessório e ponham termo à actual escalada de propostas de objectivo incerto e aplicabilidade duvidosa, que apenas servem para desviar a atenção daquilo que realmente importa e alimentar o politicamente correto exacerbado.

Creio que essa maioria é formada por pessoas que andam ocupadas a trabalhar, porque, reiterando, trabalhar tem sentido e alguém tem de o fazer.

Termino, como comecei, com um cartaz, desta vez repetindo o repto da Iniciativa Liberal: Contribuintes de todo o país, uni-vos!… e acrescento, de minha lavra: para que tenha sentido trabalhar em Portugal…

Nota: Por opção própria, a autora não escreve segundo o novo acordo ortográfico.

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