Tribunais em tempos de pandemia – acertos necessários

  • Pedro de Almeida Cabral
  • 27 Março 2020

O regime das férias judiciais não é o mais adequado. Contudo, não havia outra forma disponível, tão prática e tão expedita, para adequar o funcionamento dos Tribunais aos tempos de pandemia.

Em tempos de pandemia, alguns serviços deixam de funcionar e outros trabalham através do teletrabalho. Os Tribunais não são exceção. Só que os Tribunais não são um mero serviço público que se pode abrir e fechar. Há um limite mínimo de funcionamento que tem que ser sempre mantido, salvaguardando o direito constitucional de acesso ao Direito por cidadãos e empresas.

O Governo começou por esclarecer que quem está em isolamento também pode alegar justo impedimento para não comparecer em Tribunal. Não devia ser necessário verter esta equivalência em forma de lei. Mas a verdade é que a tradicional rigidez na aceitação do justo impedimento nos Tribunais assim o aconselhou.

De seguida, a Assembleia da República criou a trave mestra do funcionamento dos Tribunais durante a pandemia, assente na decretação de férias judiciais pelo tempo que vier a ser necessário. As férias judiciais são períodos em que os Tribunais estão fechados, permitindo organização a todos os profissionais forenses. Não há julgamentos e os prazos para responder e contraditar estão suspensos. Embora haja algum trabalho a ser executado. Por exemplo, as sentenças são notificadas. Nas férias judiciais, continuam em pleno – com julgamentos e sem suspensões de prazos – apenas os processos que a lei considera urgentes, como processos com arguidos presos, insolvências e providências cautelares, entre outros.

No novo regime covideano, os processos urgentes também não correm, estando suspensos. Com a exceção atos dos processos urgentes que possam ser praticados por teleconferência ou videochamada. Na prática, não se sabe que atos serão esses, pois não é possível apurar previamente se podem ser praticados à distância. Cada juiz decidirá o que lhe aprouver. Reina assim a incerteza em tempos de pandemia, agravada pelo facto de se tratar de processos urgentes, com importância acrescida.

Há ainda uma categoria de processos urgentes à parte, em que estão em causa direitos fundamentais. São processos de arguidos presos ou de menores em risco (e mais alguns), em que há atos que têm que ter lugar presencialmente, desde que se respeitem as recomendações do número máximo de pessoas dadas pelas autoridades de saúde. Parece estarem em causa os direitos fundamentais nucleares, como o direito à vida ou a liberdade de reunião. Estão também abrangidos atos relacionados com o estado de emergência. Será o caso de detenção de pessoa por violação das normas de segurança, que tem de ser comunicada a juiz de instrução no prazo de 24 horas.

Sobre este tipo de processos urgentes paira uma carregada nuvem de dúvidas. Exige-se apuramento técnico para determinar quais são os direitos fundamentais envolvidos, abrindo-se uma discussão para a qual não há, manifestamente, tempo. A realização destes atos presenciais depende das recomendações das autoridades de saúde para os Tribunais, algo até agora desconhecido.

Procurando amenizar os duros ditames da lei, mas também para dar orientações aos juízes, o Conselho Superior de Magistratura emitiu indicações dando ampla margem aos juízes para determinar quais são os direitos fundamentais urgentes, que implicam andamento de processos com realização de atos presenciais. Fala também o Conselho das recomendações das autoridades de saúde, sem especificar quais são afinal.

Explicado este sinuoso regime, cabe elogio e sugestões de acertos. O regime das férias judiciais não é o mais adequado, por suspender milhares de processos que podiam continuar a ser tramitados e tratados à distância por juízes e advogados, desde que não envolvessem audiências. Contudo, não havia outra forma disponível, tão prática e tão expedita, para adequar o funcionamento dos Tribunais aos tempos de pandemia. Os acertos que parecem necessários são estes:

  • Clarificação dos critérios para realizar atos por teleconferência e videochamada, evitando que advogados sejam chamados a cumprir exigências tecnológicas impossíveis durante a pandemia;
  • Definição mais detalhada dos processos urgentes que envolvem direitos fundamentais, que são os que podem ter atos presenciais;
  • Conhecimento com precisão das recomendações das autoridades de saúde para a realização de atos presenciais em Tribunais;
  • Se necessário, criação de uma rede de Tribunais que tenha as condições exigidas para realizar atos presenciais, excluindo Tribunais desadequados.

A prestação do serviço público essencial da Justiça exige certeza e segurança. Só assim os Tribunais, pilar do Estado de Direito, poderão funcionar sem sobressalto e discussões estéreis, ajudando os advogados também a fazer a sua parte.

  • Pedro de Almeida Cabral
  • Sócio fundador da Enes | Cabral

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