Trump na Casa da Rússia

A fractura na política interna está a transformar a América numa Nação Imprevisível, fonte de instabilidade num cenário em que os Estados Unidos se observam como uma Nação ameaçada e cercada.

A destituição de Trump é uma não-notícia. Para os mais cínicos a destituição estava escrita em todas as estrelas da bandeira da América. O espectáculo político degradante de um Presidente em tournée pela América profunda com o vermelho e branco da bandeira transformado no vaudeville do Grande Circo Político. Resta acrescentar um detalhe que não tem a ver com causas ou culpados – o Presidente é o sintoma da doença que ataca a Democracia na América.

“Abuso de Poder” e “Obstrução à Justiça”, eis duas actividades que pautaram a vida e os negócios de Donald Trump. O que é particularmente intrigante é a convicção da América que, enquanto Presidente, Trump se transformasse num paladino da consideração pela lei e um exemplo de respeito para com os adversários. O Presidente Trump é uma mistura instável e confortável de um conservadorismo conflituoso e caduco; uma personagem de um Western de segunda sempre pronto a disparar para o ar, para os amigos e inimigos, para tudo o que vibre na órbita do seu poder. Rápido e dado a impulsos, com a duvidosa variante e versátil inteligência de um homem de negócios associada a uma ignorância do tamanho da própria América, o seu Nacionalismo esgota-se na legenda do “America First”, o esforço possível para aparecer no pedestal de um Estadista. Trump é um homem sem a qualidade do charme, vulgar, egocêntrico, com distúrbios ao nível da personalidade política pautados por explosões incontinentes de insegurança. E Presidente da América Profunda.

No entanto, a América Profunda não se confunde com a elite liberal e cosmopolita que domina o Partido Democrata. O Partido Republicano está refém da Casa Branca. A Democracia na América está dominada pelo confronto entre duas facções que se odeiam e excluem mutuamente. A ideia de um “common ground” desapareceu da vida política americana e esse vazio transforma os Partidos em representações políticas radicais de uma multiplicidade de facções. As facções dividem para viver, vivem para obstruir e destruir, agem para negar a existência legítima de outras opiniões políticas. A facção de Trump suporta o Presidente mesmo quando Putin defende o Presidente da América, o que em si mesmo e por si só constitui uma profunda humilhação dos Estados Unidos no concerto das Nações. Putin pretende congelar a geoestratégia do Mundo até 2025, alargando a influência da Rússia, restabelecendo o poder interno de um novo Despotismo Pós-Comunista. Todos estes objectivos políticos da Rússia tornam-se mais viáveis e lineares com um segundo mandato do Presidente Trump. Entretanto a China observa com interesse político o declínio do Destino Manifesto da América como a oportunidade para o Grande Salto em Frente.

A facção do Partido Democrata está absolutamente convicta da sua superioridade moral e política, apesar de nunca ter superado a vitória de Trump. E por não ter ultrapassado a última derrota, utiliza os mecanismos constitucionais da destituição para condicionar a próxima eleição para Presidente da América. Os desvios quase socialistas, a deriva política a tocar a excentricidade das políticas da identidade e de género, colocam o Partido Democrata no limiar de uma força contra a União, defendendo uma espécie de Nova Confederação Progressista, não dos Estados Unidos da América, mas dos Estados Confederados das Américas. Na miopia decadente de uma perspectiva política marcada exclusivamente pela luta interna entre facções radicais, o Partido Democrata em conluio inadvertido com o Partido Republicano colocam em causa uma História de séculos – o caos político em Washington não é a doença, mas é sobretudo o sintoma da fragmentação política interna associada aos sinais de um Mundo em que a América já não ocupa o privilégio da Nação Indispensável.

A fractura na política interna está a transformar a América numa Nação Imprevisível, fonte de instabilidade num cenário em que os Estados Unidos se observam como uma Nação ameaçada e cercada. Esta imagem distorcida, distorcida pelas facções, ampliada pela destituição do Presidente, converge na dissonância de duas políticas externas simultâneas e incompatíveis. Por um lado, a ideia de que a América só será grande se tiver uma Visão Expansionista do seu papel no Mundo; por outro lado e em sobreposição, a ideia de que a América só será de novo respeitada no Mundo se for suportada por uma Visão Isolacionista em que os Estados Unidos recuperam a função da Grande Fábrica do Mundo. Os dois cenários alimentam a ficção de um Admirável Novo Mundo.

A América contemporânea assemelha-se a um romance de espionagem. Um romance em que as personagens têm necessidade de se esconder por detrás de dispositivos ficcionais que mais parecem um palco do que o Mundo real. Um olhar para a América é o exercício insatisfatório de quem contempla um Universo político fechado no lado extremo do espelho. Este é o espaço das máscaras, do círculo fantasma dos enviados, dos facilitadores, dos representantes. Este é o teatro político de uma economia e de uma moral em decadência, a metáfora perfeita para a América de Trump. Na sombra dos corredores da West Wing não existe lugar para a magnífica verdade. Apenas para o “factor humano” como representação da sentimental e sórdida ambição política.

Nota: O autor escreve ao abrigo do antigo acordo ortográfico.

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