Truques de ocasião na política nacional

  • Fernando Sobral
  • 25 Janeiro 2020

Em Portugal, as magias raramente fazem parte da actividade política. Os truques são a sua rotina, e não faltam exemplos.

No livro “Harry Potter e a Ordem da Fénix”, o Ministério da Magia é inspirado em Whitehall, o nome da avenida no centro de Londres onde ficam os ministérios. É lá que os trouxas, as pessoas normais habitam. São normais porque não fazem magia, apenas aplicam truques. Em Portugal, as magias raramente fazem parte da actividade política. Os truques são a sua rotina. Os exemplos sucedem-se.

Para fingir que Lisboa é uma “cidade verde”, o sr. Fernando Medina inventou agora um universo paralelo, chamado Aobsil. Só existe na mente do autarca e nos cartazes espalhados por Lisboa. Lá não se escuta o ruído dos aviões nem se vê a falta de árvores. E há truques cinzentos. O Governo e uma entidade bem comportada chamada APA, acham que é possível construir um atentado ao ambiente e aos cidadãos numa rota fulcral de aves na Europa: o aeroporto do Montijo. A troco de umas taxas e de apartamentos “alternativos” para os pássaros. Estes discursos “verdes” são truques de ilusionistas menores. Prometem que sairá uma pomba da cartola e, afinal, o público depara-se com uma vaca voadora de plástico.

Em São Bento aplica-se a mesma norma. O Governo não faz magia, desdobra-se em truques. Finge-se de Dom Quixote. Tem a sorte do PSD ser, neste momento, um partido anémico de ideias. O realizador Federico Fellini não fazia truques. Fazia verdadeira magia, com o seu cinema. Agora que passam 100 anos da data do seu nascimento, é relançado o seu excelso “La Dolve Vita”. Filme que, com uma notável ironia, retrata o colapso da civilização ocidental. Por detrás do encanto das festas, a doce vida de Roma não passa de uma intoxicação geral. Compreende-se porquê.

A arte de Fellini nasceu do seu fascínio pela Banda Desenhada e pelos parques de diversões e não pela cultura oficial. Sendo os seus filmes icónicos e teatrais, trazem sonho. O que falta à política destes dias. Não é por acaso que surgem novos salvadores no palco deste Parque Mayer decadente, como o sr. Ventura e a sra. Ana Gomes.

No PSD, viveu-se o aparente fim do labirinto de truques e magias negras onde os seus feiticeiros têm ocupado o precioso tempo. Não havia aqui nem Houdini, nem David Copperfield, nem mesmo Fellini, para trazer um pouco de magia. O sr. Luís Montenegro prometia o pote de mel do poder a curto prazo. Queria atormentar a pacatez do Governo com o barulho de uma picareta às oito da manhã, junto à porta de São Bento. Tarefa que, como se imagina, não era fácil.

O sr. Rui Rio, que deve ter lido Maquiavel, pretende a refundação do PSD e acredita que o PS cairá de maduro. Por isso afastou a tribo contrária do Parlamento. O que desgostou esta, que ainda acredita que o sr. Passos Coelho regressará como “o desejado”. A estratégia do sr. Rio está montada. Quer chamar os “melhores” e os “quadros”, que estão fora do partido. Se eles corresponderem ao pedido, para que servirão os leais defensores do sr. Montenegro? Para muito pouco. Resta o mais difícil. Para ser alternativa real e não ser aliviado de eleitores para a sua direita, o PSD precisa de criar ideias fortes de alternativa ao PS e de semear um sonho de mudança. E ganhar a classe média, a grande esquecida nos anos do sr. Passos e do sr. Costa. Enquanto isso não chega, o país não sabe que fazer. Se esperar as propostas inovadoras dos partidos ou aproveitar para ver na televisão “Pesadelo na Cozinha” ou o “O Programa da Cristina”. É uma escolha difícil.

Falta discutir um modelo económico, social, cultural e ambiental para o país. Quase tudo. Se “Os Lusíadas” de Camões era o poema sobre “a partida”, “Pátria” de Guerra Junqueiro, era-o sobre o “regresso”. Entre esses dois destinos nunca conseguimos descobrir o que queríamos fazer de Portugal, sempre perdidos entre o esbanjamento, as cumplicidades, a incapacidade de acumular capital que pudesse ser produtivo, e entre a eterna dívida e défice. Nada mudou. A disfarçada austeridade actual é, como ponto de partida e de chegada, um fim em si mesmo. Não há neste Governo, nem na oposição, um modelo para o futuro de Portugal. Não há magia. Existem truques de ocasião, comprados numa antiga loja dos 300. Federico Fellini talvez tivesse aqui um bom argumento para um filme, “A triste vida”.

Sugestão da semana

Baseado nas memórias do avô de Sam Mendes, Alfred, o épico “1917” é uma boa razão para ir ao cinema. A história de dois soldados britânicos durante a Primeira Guerra Mundial.

  • Fernando Sobral
  • Jornalista

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