UE e o direito fundamental a pipocas no cinema

Quando a bagagem de mão se torna direito fundamental, já não sabemos quando chegará a vez das pipocas no cinema ou do fino no futebol.

Genuinamente, achava que a primeira vez que aqui escreveria sobre malas seria para gozar com a bizarra obsessão do ex-deputado Miguel Arruda, mas os burocratas de Bruxelas conseguiram vencer essa probabilidade. Sou um profundo europeísta, um euroentusiasta, mas não deixa de me chocar a assustadora tendência que a União Europeia tem para o abismo, para continuamente mexer no que não foi chamada e deixar-se perder em indecisões e esperas por unanimidades inatingíveis nos temas que importam aos europeus.

O foco desta semana foi nas malas de bagagem em aviões – uma das temáticas que, como todos sabemos, tira o sono aos europeus. Sim, para estes tecnocratas levar uma mala de bagagem é um direito que temos enquanto consumidores, inalienável, por sinal. Aliás, Matteo Ricci, socialista vice-presidente da Comissão dos Transportes e do Turismo da EU, acrescentou mesmo que as regras definidas para a bagagem de mão gratuita são “um direito fundamental para evitar custos adicionais injustificados”.

Peço imensa desculpa, mas o senhor eurodeputado está completamente equivocado. Direito fundamental é eu poder decidir como quero viajar e poder não pagar a bagagem que não preciso ou não quero levar. Custo adicional totalmente injustificado é aquele que vou ter de suportar para viajar quando esta legislação entrar em vigor. Tudo porque um conjunto de burocratas se quer sobrepor à vontade individual de cada utilizador, substituindo-o na escolha das suas necessidades e prioridades.

Vi muitas pessoas favoráveis à medida justificarem a sua posição, alheadamente diria, questionando quem é que também só viajava com o saco de mão até agora permitido. Eu respondo: eu. São os preços baixos, através da possibilidade de reduzir conforto ou comodidades, que permitem a milhares de pessoas voar. Tal como eu, outros tantos têm beneficiado deste sistema de preços baixos para poderem viajar, conhecer novos países, cidades e culturas.

Se me faz confusão? Nenhuma! É ótimo ter a liberdade de construir o meu preço de acordo com as minhas preferências ou exigências. Agora, é também evidente que para estes legisladores o impacto nos preços é indiferente – não foram as low cost que lhes deram a oportunidade de voar. Até dou de barato que efetivamente não conheçam ninguém que viaje apenas com o saco permitido. Não podem é menosprezar a liberdade desses consumidores para assegurar um suposto direito fundamental de outros que em nada os beneficia. Foi apenas mais uma prova de que para boa parte da esquerda o interesse dos consumidores é perfeitamente secundário face às cócegas que faz ao seu ego poder remexer no negócio das grandes empresas.

Para além disto, o mais caricato tem sido assistir àqueles que juram a pés juntos que não haverá qualquer efeito nos preços pagos pelos consumidores. Mesmo que não tivesse relação direta com custos da viagem – tem – é evidente que haveria impacto. Esperamos realmente que as companhias abdiquem de parte da sua receita, por causa de uma espécie de imposto sem receita fiscal, e não o imputem ao consumidor? Achamos mesmo que o lado mais inelástico entre as partes é o dos consumidores? Não é, os consumidores vão pagar mais por preconceito ideológico.

A aviação é um dos mais cimeiros mercados onde o capitalismo e a democratização andaram de mãos dadas e é evidente que alguma esquerda não gosta. A queda dos preços ao longo das últimas décadas permitiu a milhões de pessoas poder voar e viajar pelo mundo fora – resultado direto do advento das low cost e da economia de mercado. O impacto de políticas como esta da UE em Portugal, um país onde 39% dos portugueses, em 2024, segundo o Mais Factos, não tinham capacidade para pagar uma semana de férias fora da sua residência, pode ser especialmente grave.

No meio disto tudo, tenho pena que esta frase não seja minha, mas na reação a esta legislação, a Airlines for Europe reagiu perguntando: “What’s next? Mandatory popcorn and drinks as part of your cinema ticket?”. É uma boa questão, porque quando a bagagem de mão se torna direito fundamental, já não sabemos quando chegará a vez das pipocas no cinema ou do fino no futebol.

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